Morreu Mário Moreau, ex-director do Teatro Nacional de São Carlos

Médico e melómano tinha 94 anos. Dedicou vários livros à história do teatro lírico em Portugal e a alguns dos seus maiores intérpretes.

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Mário Moreau DR

Mário Moreau, médico, melómano, historiador da música e ex-director-geral do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC), morreu na noite desta quarta para quinta-feira na sua casa em Alfragide, aos 94 anos.

Ao mesmo tempo que manifestou “profunda consternação” pelo desaparecimento do seu ex-director, o Conselho de Administração do TNSC decidiu dedicar a celebração do Dia Mundial do Teatro e da história de São Carlos, esta sexta-feira, à memória de Mário Moreau, “uma personalidade indissociável do teatro, cuja vida e obra fica marcada precisamente pelo trabalho de agregação e divulgação da memória do teatro lírico português”.

Nascido em Lisboa, em 1926, Mário Ernesto dos Santos Moreau licenciou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa em 1950. Médico de clínica geral, exerceu a sua profissão e também leccionou Clínica Médica no Hospital de Santa Maria, onde se jubilou em 1992.

Tendo a arte lírica como a sua “paixão inexcedível”, refere a nota do TNSC, Mário Moreau tirou o Curso Superior de Canto na Academia de Amadores de Música (1959-65), além de ter estudado língua e literatura italianas.

Foi director-geral (com o pelouro da direcção artística) do TNSC entre 1982 e 84. Aí conviveu “com os maiores nomes da lírica internacional”, não tendo deixado “por mãos alheias os ‘seus’ queridos cantores portugueses”, acrescenta o TNSC, citando a volumosa obra em três volumes Cantores de Ópera Portugueses (Bertrand, 1981-87), mas também Coliseu dos Recreios, Um Século de História (Quetzal, 1994), além de biografias de grandes nomes da história lírica portuguesa, como Luísa Todi (1753-1833), Maurício Bensaúde (1863-1912) ou Tomás Alcaide (1901-1967), de quem foi grande amigo (e membro do júri do prémio com o nome deste tenor).

Numa extensa bibliografia que foi desenvolvida mais como a de um melómano do que um investigador académico, a obra mais vezes citada e elogiada de Mário Moreau é a que dedicou ao próprio teatro lírico de Lisboa: os dois volumes de O Teatro de São Carlos, Dois Séculos de História (Hugin, 1999).

“Posso garantir que não há teatro nenhum no mundo — e podemos falar do La Scala de Milão, do Metropolitan de Nova Iorque ou do Covent Garden de Londres — que tenha a sua história escrita com tanta profundidade e tanto detalhe como a tem aqui o São Carlos”, realça ao PÚBLICO Fernando Carvalho. O coordenador do arquivo histórico do TNSC acrescenta que, nesta obra, é possível encontrar “tudo o que se queira saber sobre a história do São Carlos em dois séculos de vida: desde os cantores, encenadores e maestros, até mesmo aos pregos pregados numa determinada parede — está lá tudo”.

Em mais de 1400 páginas, após um capítulo inicial a contar a história do edifício projectado pelo arquitecto José da Costa e Silva e inaugurado a 30 de Junho de 1793, o leitor encontra amplamente documentadas todas as produções que subiram ao palco desde a fundação até 1994, com referências às récitas de ópera e concertos, mas também a espectáculos de ballet e de teatro declamado.

Tanto nesta sua actividade de melómano e historiador da música, como na da sua profissão de clínico, Mário Moreau era — realça Fernando Carvalho — “uma pessoa de um trato muito fácil e de grande humor”.

O corpo de Mário Moreau será trasladado esta quinta-feira para a capela da Igreja da Damaia, estando o funeral e cremação marcados para sexta-feira de manhã no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa.

Nesta mesma sexta-feira, Dia Mundial do Teatro, o TNSC dedica a sua programação a homenagear o seu ex-director. Ao longo do dia, vai partilhar nos seus canais digitais excertos de óperas apresentadas nesta temporada: La Forza del Destino, de Giuseppe Verdi; Orfeo e Euridice, de Chrisoph Willibald Gluck; e Maria Stuarda, de Gaetano Donizetti. Paralelamente, vai recordar dois documentários produzidos pela RTP (em 1974 e em 2017), ambos centrados tanto na arquitectura como na história do edifício.

Em comunicado, o TNSC chama ainda a atenção para o seu podcast diário associado à iniciativa #SãoCarlosEmSuaCasa, igualmente dedicado ao edifício e à sua história, “neste caso, ao 1.º Barão de Quintela e ao 1.º Conde de Farrobo, personalidades fulcrais na construção e primeiros anos de gestão do teatro”.

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