Morreu Gabi Lopez, a voz provocadora que nos exortou a “dançar o Mussolini”

Enquanto vocalista dos alemães D.A.F., foi rosto de uma banda transgressora que, no início da década de 1980, criou electrónica crua e minimal. Conjugando política e sexualidade, tornou-se ícone pós-punk e influência marcante para a música tecno e house. Morreu esta terça-feira, aos 61 anos.

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Influenciados tanto pelos Suicide como por Donna Summer, os D.A.F. deixaram a sua marca ao vincar uma personalidade musical em oposição ao predomínio anglo-saxónico Ueli Frey

Gabriel “Gabi” Delgado Lopez nasceu em Córdova, mas foi alemão desde a infância. Fugida ao regime franquista, a família mudou-se para a Alemanha em 1966, tinha ele oito anos. Uma década depois, tornou-se figura de destaque da música electrónica, ao criar com Robert Görl uns D.A.F. que, com o seu som minimal, batida marcial e letras provocatórias – a sua canção mais célebre exortava a “dançar o Mussolini” —, se tornaram estrelas na Alemanha, ícones punk e, ao mesmo tempo, influência marcante para o desenvolvimento do tecno, em Detroit, e da house, em Chicago. Gabi Lopez morreu esta terça-feira aos 61 anos, anunciou nas suas redes sociais, sem adiantar as causas da morte, o antigo companheiro de banda, Robert Görl.

Tal como a geração que os antecedera, a dos pioneiros da electrónica Kraftwerk, a da música experimental dos Neu! e dos Can, os alemães D.A.F. tinham como componente do seu manifesto estético um distanciamento total da cultura rock anglo-saxónica, que consideravam no limite do totalitarismo imperialista. Porém, ao contrário da geração anterior, a sua música nada tinha de cósmico, nem exibia o design tecnológico perfeito dos autores de Man Machine. E, na verdade, apesar da oposição ao predomínio anglo-saxónico, os D.A.F. não eram imunes à sua influência.

A atitude combativa e confrontadora estava alinhada com o punk, e a sua formação enquanto duo praticante de música electrónica minimal e abrasiva encontra ascendência nos nova-iorquinos Suicide. Os D.A.F. eram, porém, intrinsecamente alemães, ou melhor, provocatoriamente germânicos.

Nascidos em Dusseldórfia em 1978, começaram por ser um quarteto com formação rock relativamente convencional, que incluía guitarra e baixo. É quando o núcleo se reduz a Gabi Lopez e Dörf que os D.A.F., acrónimo de Deutsch Amerikanische Freundschaft (Amizade Germano-Americana), nascem verdadeiramente.

O som era o resultado da batida metronómica de Dörf e da utilização simples, quase primitivista, dos sintetizadores, sob os quais Gabi Lopez cantava de forma seca, austera, quase militarista. “As vozes [nos D.A.F.] não são como no rock’n’roll e na pop. Por vezes, é como num discurso de Hitler. Não é nazi, mas tem aquele temperamento germânico, aquela forma de falar: ‘crack! crack! crack!”, declarou Gabi no passado, citado agora no obituário que lhe dedicou a Far Out Magazine. “Acreditamos que existe uma influência americana muito forte na cultura, na televisão, na música, em todo o lado.” Daí, explicava, a recusa de “imitar o rock’n’roll" e de “cantar em inglês”: “Não fazemos isso. Temos a nossa própria identidade. A nossa identidade não é a identidade americana.”

Sediados em Londres, cidade para onde se haviam mudado em 1980, editaram até 1982 os álbuns Die Kleinen und die Bösen, Alles is Gut, Gold und Liebe e Für Immer. Neles, flirtavam ocasionalmente com o passado totalitário nazi, ridicularizando-o e cobrindo-o, em som e imagem, de uma camada homoerótica. Faziam-no em electrónica dura e desafiante, som subterrâneo apelando à transgressão que, através de canções como Der Mussolini ou Sex unter Wasser, os transformou em estrelas no seu país e em referência inspiradora no resto da Europa e nos Estados Unidos.

Na base de tudo, explicava Gabi Lopez à Dazed em 2017, quando da edição da caixa retrospectiva DAS IST DAF, estivera uma experiência transformadora: ouvir I feel love, o clássico de Donna Summer e Giorgio Moroder, numa das suas primeiras noites num clube gay. “Foi a minha primeira experiência musical determinante – uma verdadeira iniciação”, recordava o vocalista. “Quando ouvi aquela sequência de sintetizador e a voz de performance sexual da Donna Summer, pensei: ‘É isto mesmo, se alguma vez fizer música, será sexo-e-electrónica’. De certa forma, essa era a ideia original por trás dos D.A.F.”

Na referida entrevista à Dazed de 2017 punha em perspectiva o passado da banda perante o presente político. “Os D.A.F. estavam a apenas a jogar com imagens do totalitarismo. Julgo que o verdadeiro problema por trás do crescendo do populismo de extrema-direita – tendências xenófobas, nacionalismo e outros efeitos secundários nocivos da globalização – está no facto de os partidos estabelecidos e os líderes políticos estarem a adoptar essas tendências para recuperar votos, e agora eles mesmos são representantes delas.”

Activos entre 1978 e 1982, os D.A.F. reuniram-se novamente em 1985 para gravar o seu primeiro e único álbum cantado em inglês, 1st Step to Heaven, editado no ano seguinte. Regressaram novamente em 2003, fizeram uma digressão de despedida em 2015 e voltaram a actuar ocasionalmente depois disso. Paralelamente, Gabi Delgado-López tornou-se uma figura influente na cena tecno berlinense – mudou-se para Berlim em 1986 —, organizando festas, editando álbuns a solo e criando editoras como a Delkom Club Control, a BMWW e a Sunday Morning Berlin.

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