Dia 5: Será a pandemia fruto de uma acção radical feminista?

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação infantil. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidade, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@designer.sandraf

Querida filha,

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Anda tudo muito preocupado em como entreter as crianças, mas não vejo ninguém a falar de como conseguir que os maridos/pais fiquem tranquilos em casa. Sem birras. Sem nos contagiarem o seu nervoso miudinho, como se tivéssemos sido nós a inventar a covid-19 para os reter entre quatro paredes, ainda por cima com as crianças lá dentro.

Se calhar, acreditam que esta pandemia é uma acção radical de um grupo de feministas para impor coercivamente a partilha de tarefas domésticas. Tens visto quantas piadas circulam nas redes sociais, e entre amigos, de homens ansiosos por se verem livres da querida-esposa? Algumas têm mesmo muita graça, mas acredito que, quando eles clicam em “reencaminhar”, lá no fundo, no fundo, a maioria não está a brincar. Mas isso é lá com eles.

O pior, o mais estúpido é que nós – enquanto mães e enquanto mulheres – acabamos por ser as primeiras a dizer-lhes: “Vai lá dar uma voltinha”, como se fossem crianças a quem não conseguimos recusar nada. Por mais que o envolvimento dos pais na vida dos filhos seja infinitamente maior do que era na minha geração, suspeito que, na prática, continuamos a ter para com os homens que vivem connosco uma atitude muito condescendente. Ou estou a ser injusta?

Dito isto, será que se vendem cães online? É que o actual estado de emergência, frisou o próprio primeiro-ministro, permite levar o cão à rua a dar um pequeno passeio. E autoriza a correr, desde que sozinho, o que é ainda mais atraente, porque depois de horas fechados em casa uns com os outros, quem é que quer correr – ou ir à farmácia — acompanhado? Fica decidido, eu arranjo o cão para poder dizer “Querido, tenho de o levar à rua”, e tu anuncias um súbito desejo de te preparares para a meia-maratona do próximo Outono.

Escreve-me, depressa. Como vês, a cabeça já não está tão arrumadinha como devia,

Mummy


Querida mãe,

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Coincidência, estava mesmo a começar a escrever-lhe para lhe perguntar exactamente a mesma coisa! Bem, se foi uma acção de um grupo radical feminista, acho que lhe saiu o tiro pela culatra. Tenho percebido que muitas das mães nem vêem os maridos que estão em teletrabalho. Estão fechados num quarto e só aparecem à noite, por vezes, até mais tarde do que o que costumavam chegar quando trabalhavam fora.

Não duvido de que isto vai abanar muito as relações. No outro dia, rodava uma piada que dizia: “Um amigo contou-me que esteve a conversar com a mulher e que lhe pareceu muito simpática!” Graça à parte, quantos de nós é que não vivemos mesmo esta realidade no dia-a-dia? De não trocar mais do que cinco palavras com o nosso marido, a conversa se resumir a dar recados rápidos ou a trocar informações sobre os miúdos? E quantas vezes vivemos quase uma vida paralela em que cada um está imerso no seu mundo, guardando as nossas conversas, as nossas graças, o nosso charme para o “mundo lá fora”, e quando finalmente chegamos a casa já não temos recursos para nada, a não ser para olhar para a televisão?

É óbvio que vamos ser muito desafiados, e esses desafios, suspeito, não virão tanto da quarentena em si, mas das tensões económicas que vamos enfrentar. Mas acredito mesmo que será possível encontrar mais espaço, mais tempo e mais vida em comum. Primeiro, vai-nos parecer divertido, porque é novo, depois vamos desesperar, atingidos por um imenso tédio, mas, por fim, vamos acabar por criar uma realidade muito melhor. Olha! Afinal eu é que estou com o discurso positivo!

Ah, mas dado que isto são as previsões de uma pessoa que sabe pouco sobre a vida, mandava vir o cão na mesma. Os meus ténis já estão à porta!


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.
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