Confiemos nos profissionais de saúde e nos medicamentos autorizados

A propósito das notícias falsas que circularam nas redes socias sobre a utilização de alguns medicamentos, nomeadamente os anti-inflamatórios não esteroides como o Ibuprofeno.

Estamos a atravessar a maior crise global desde a Segunda Guerra Mundial (1939/45). Nesta guerra o inimigo é invisível, mas cria graves prejuízos na saúde das populações e afeta a economia de uma forma impiedosa. Danos que, para recuperar, implicarão um forte investimento e um longo período. Felizmente, o conhecimento científico evoluiu exponencialmente nos últimos anos e a partilha desse conhecimento é global. Os profissionais de saúde têm diariamente acesso a esse conhecimento e podem basear as suas decisões na melhor evidência disponível.

A nível da União Europeia (UE), malgrado as tentativas ultra liberais da Comissão Europeia de extinguir a Direção Geral de Saúde e Consumidores (DGSANCO), temos no terreno duas instituições sólidas e importantes, particularmente neste momento, com a participação de todos os Estados-membros:

i) A Agência Europeia do Medicamento (EMA), criada em 1995 após decisão na presidência Portuguesa em 1992, com apoio de cerca de 6000 peritos de todos os Estados-membros (mais de 150 são Portugueses). Instalada em Londres até ao ano passado, funciona agora em Amesterdão, com cerca de 900 funcionários permanentes, e garante através de critérios muito rigorosos a avaliação e aprovação dos medicamentos, assim como a monitorização dos seus efeitos adversos após colocação no mercado, através do sistema de farmacovigilância (www.ema.europa.eu).

ii) O Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), criado em 2004, com a participação de todos Estados-membros, acompanha diariamente a evolução das diversas epidemias e emite recomendações (www.ecdc.europa.eu).

Estas Agências contrariam a tendência dominante na UE de se reduzir a ela própria ao controlo das finanças públicas e da concorrência, menorizando o seu papel na defesa da saúde pública e impondo políticas que, em última análise, põem em causa o próprio desenvolvimento económico dos Estados-membros e a sua autonomia política consagrada nas diversas constituições.

Vem isto a propósito das notícias falsas que circularam nas redes socias sobre a utilização de alguns medicamentos, nomeadamente os anti-inflamatórios não esteroides como o Ibuprofeno. O Infarmed, com apoio da EMA, esclareceram a população e profissionais de saúde. Não é de mais transcrever o comunicado emitido a 18 de Março: “Os profissionais de saúde, quando iniciam o tratamento da febre e da dor em doentes com covid-19, devem considerar todas as opções de tratamento disponíveis, incluindo paracetamol e anti-inflamatórios não esteroides. Os doentes que tenham dúvidas devem falar com o seu médico ou farmacêutico.”

Todos os medicamentos envolvem riscos na sua utilização e o importante é que em cada situação concreta os médicos e farmacêuticos estejam bem informados para tomarem as decisões mais adequadas. Recordo que a Talidomida, medicamento retirado do mercado devido aos trágicos efeitos em fetos, que provocou em todo o mundo milhares de deformações em bebés, é hoje utilizado como medicamento de primeira linha no combate à lepra e a uma grave doença oncológica.

Confiemos em tempo de guerra nos nossos generais que são as Autoridades de Saúde, pois não é altura para “limpar armas”. Juntos ultrapassaremos esta crise e garantiremos um SNS melhor – “coração propulsor e estruturante de um sistema de saúde melhor regulado e mais eficiente, onde todos podem e devem desempenhar o seu papel visando o bem comum” (Fundação para a Saúde SNS, 20/3/20)

Confiemos, no que toca aos medicamentos, nos nossos médicos e farmacêuticos hoje na linha da frente desta batalha.

Farmacêutico militar; primeiro presidente do Infarmed (1993/2000); membro do Conselho Consultivo do ECDC (2005/2015)

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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