A arbitrariedade e a soberania

As pandemias e as grandes crises têm, pela sua enorme dureza, o efeito de revelar falhas no Estado e, além disso, soluções no Estado que antes estavam por explorar. A força e responsabilidade do poder local foi um exemplo evidente disso.

Quando se escrever a história da pandemia do coronavírus em Portugal, e oxalá se possa fazê-lo em breve, o papel dos autarcas portugueses será recordado e mantido na nossa memória coletiva como o de um conjunto de homens e mulheres confrontados com o não antes visto na nossa sociedade moderna e democrática, um grupo de heróis involuntários que não hesitou, num papel ingrato mas fundamental, serenos mas determinados, severos mas leais.

A política local, quando enfrenta a adversidade, é isso mesmo. E a política nacional também o deveria ser. Liderar é a soma de todas essas formas de determinação.

Foram eles, os autarcas, que tomaram a iniciativa primeiro, que estão no terreno, que não se escondem, que asseguram que tudo pode continuar bem não podendo continuar como antes, que articulam plataformas de despiste com o setor privado, que sensibilizam o Governo e a imprensa para o que realmente se passa; são eles que, enfim, lideram. Dou este exemplo porque, não sendo autarca, tenho um enorme respeito por aqueles que o são.

As pandemias e as grandes crises têm, pela sua enorme dureza, o efeito de revelar falhas no Estado e, além disso, soluções no Estado que antes estavam por explorar. A força e responsabilidade do poder local foi um exemplo evidente disso. Até ao final desta crise, não será exemplo único. Para resolvê-la, na verdade, não poderá ser exemplo único. Falo, em particular, das nossas Forças Armadas.

O que estamos a assistir hoje, em 2020, e que a declaração de estado de emergência veio comprovar, é um alargamento da defesa da soberania a todas as esferas da governação. Já o havíamos visto, e bem, em 2017, com os fatais incêndios que converteram a gestão do território numa nova área de soberania e vemo-lo agora, em 2020, com a necessidade de tornar a gestão da Saúde também numa área de soberania. 

Se o contributo das Forças Armadas, no primeiro caso, foi essencial, não há qualquer razão para não o ser agora. Claro que a discussão será sempre sobre o cuidado de não “ir além” das competências, não ficando aquém das tarefas essenciais a desempenhar para o bem comum; proteger todos em detrimento do que é individual. 

Para isso, precisamos de envolver todos, fazendo dos cidadãos também agentes de Proteção Civil, na medida em que o envolvimento como estratégia é o melhor caminho para estarmos verdadeiramente juntos contra o vírus e as contrariedades que com ele vêm.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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