Onde pára o dinheiro?

Está na altura de reequilibrar a balança e de pedir a quem demasiado acumulou que devolva uma parte desse excesso à sociedade.

O mundo conheceu o fim de um dos mais longos bull markets da história há sensivelmente um mês, quando os mercados tomaram finalmente consciência da gravidade da crise pandédima covid-19. Ao longo dos últimos dez anos as bolsas foram subindo inexoravelmente, ainda que com quedas significativas pelo meio. Alguém omnisciente que tivesse investido no índice Euro Stoxx 50 (que agrega 50 das maiores empresas da zona euro) quando este bateu no fundo em 2009 e vendido as suas acções precisamente no topo, reinvestindo os dividendos, teria multiplicado o seu capital por quatro! Graças às baixas taxas de juro muitas empresas dedicaram-se também a comprar as suas próprias acções, inflacionando assim o seu preço. Em 2019, as estimativas apontam para 730 mil milhões de dólares gastos desta forma só nos Estados Unidos. Não faltou dinheiro à economia durante estes anos de prosperidade.

A pergunta do título faz por isso todo o sentido: onde pára toda a riqueza acumulada durante uma década? Mesmo empresas de grande dimensão, com políticas generosas de dividendos e buybacks, começaram a pedir salvação aos seus governos. Uma nova versão, portanto, do too big to fail. Bem sei – uma parte da riqueza evaporou-se com o crash bolsista. Outra grande parte foi investida e não está propriamente disponível para uso imediato, especialmente com tantos bens em previsível liquidação forçada. Ainda assim, existirão certamente muitos recursos que fazem agora falta para ajudar a relançar a economia. Por exemplo, há hoje mais de 2100 bilionários no planeta, um acréscimo de 40% face há cinco anos!

Repensemos por isso o famoso imposto sobre as grandes fortunas: não estará na altura de reduzir desigualdades e exigir um esforço acrescido a quem mais tem? Numa situação desesperante como aquela em que vivemos não é correcto contarmos apenas com os recursos dos governos. Esses provirão, como sabemos, da emissão de dívida pública (e a juros agora mais elevados) mutualizada por todos os cidadãos. É precisamente o acumular desmesurado de riqueza por uma camada muito restrita da população – e não por ricos na acepção dos partidos de esquerda que, na verdade, fazem parte da classe média ou média-alta – que me leva a pensar que será preciso ir mais além para debelar esta terrível crise. Está na altura de reequilibrar a balança e de pedir a quem demasiado acumulou – tirando partido das deficiências do sistema capitalista, sem desprimor para as suas ainda maiores virtudes – que devolva uma parte desse excesso à sociedade.

Da mesma forma será preciso pensar em formas de tornar a economia mais robusta a choques, tal como se fez com o sector financeiro aquando da crise de 2008-2010. Mas isso ficará para um próximo artigo.

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