Irão está a perder a batalha contra o vírus e suplica pelo fim das sanções. “Pressão máxima”, insistem EUA

Com mais de 21 mil infectados e 1600 mortos, Teerão debate-se com uma situação descontrolada, fruto de medidas tardias e de uma economia asfixiada. Adversários e aliados pedem a Trump que alivie a pressão.

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Hassan Rouhani, Presidente do Irão (à direita), também apelou ao levantamento das sanções dos EUA EPA

Os números que nos chegam diariamente do Irão sobre a propagação do novo coronavírus mostram um cenário catastrófico. Este domingo contavam-se 1685 mortos e mais de 21 mil infectados, a uma média de quase 1000 novas infecções por dia. O descontrolo é tal que o ministro da Saúde colocou a questão nos seguintes termos: o vírus está a matar um iraniano a cada dez minutos e a infectar 50 iranianos a cada hora.

Fruto de uma sucessão de erros de análise, da desvalorização política do perigo, da incapacidade das autoridades para imporem comportamentos restritivos à população e de uma situação económica muito frágil, entre outros factores, o Irão está a perder a batalha contra a pandemia. 

Há rumores de que o número de vítimas é cinco vezes maior e foram captadas imagens aéreas que mostravam enormes valas comuns escavadas para enterrar os mortos. E no combate propriamente dito, nos hospitais, falta tudo: médicos, material e medicamentos. 

Por isso mesmo, Teerão virou-se nos últimos dias para o seu grande inimigo, os Estados Unidos, suplicando o levantamento das sanções económicas que a Administração Trump lhe vem impondo desde que o Presidente norte-americano decidiu rasgar unilateralmente o acordo nuclear de 2015 há dois anos.

Sem esse peso, acreditam os responsáveis iranianos, será possível “mobilizar todos os recursos disponíveis” para o tratamento dos doentes e para evitar que um colapso total da economia resulte no mais negro dos cenários traçados pelas simulações da Universidade de Tecnologia de Sharif: 3,5 milhões de mortos. 

Mas a resposta dos EUA é sempre a mesma. “A nossa política de pressão máxima sobre o regime é para continuar”, afirmou na sexta-feira Brian Hook, representante especial do Governo norte-americano para os Assuntos Iranianos, citado pela Reuters.

Dito e feito – ou melhor, feito e dito. Na quarta-feira Washington tinha anunciado novas sanções sobre indivíduos e empresas envolvidas na “compra, aquisição, venda, transporte ou publicitação de produtos petroquímicos iranianos”.

Segundo Hook, foi enviada recentemente uma nota diplomática para Teerão, em que se oferecia ajuda no combate à covid-19, que foi, no entanto, “rapidamente rejeitada” pelo Governo iraniano, uma vez que vinha desacompanhada da suspensão das sanções. 

“Novo nível de desumanidade”

A República Islâmica rejeita esta versão. “Charlatães e mentirosos”, acusou este domingo, num discurso televisivo, o ayatollah Ali Khamenei, Supremo Líder do Irão.

E numa dura mensagem partilhada no Twitter, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão também apontou o dedo a Washington. “A Administração dos EUA orgulha-se alegremente de matar cidadãos iranianos no Noruz [o Ano Novo persa]”, acusou Mohammad Javad Zarif. “A Casa Branca está a elevar a sua ‘pressão máxima’ a novo nível de desumanidade, com o seu total desprezo pela vida humana”.

Os EUA parecem, ainda assim, pouco acompanhados nesta abordagem, vilificada por Zarif. Se os pedidos de China e Rússia para o fim das sanções não surpreendem – devido às ligações estreitas com o Irão –, a posição do Reino Unido mostra que há aliados próximos preocupados com a posição norte-americana. 

Segundo o Guardian, Londres tem feito esforços diplomáticos concretos para pressionar Donald Trump a tratar a ameaça da covid-19 como um problema global e, particularmente, a aliviar as sanções ao Irão.

A posição da Casa Branca, porém, é a de que as sanções – que visam praticamente todos os sectores da economia do Irão, particularmente a importantíssima exploração petrolífera iraniana – não têm qualquer impacto no fluxo de ajuda humanitária e de bens médicos de primeira necessidade que podem entrar território iraniano.

Mas esta tese é controversa. A Human Rights Watch, recorda o Washington Post, alertou os EUA no ano passado para o impacto das sanções ao Irão, afirmando que “constrangiam drasticamente a capacidade do país de financiar a importação de bens humanitários, incluindo medicamentos” e que essa situação iria “causar dificuldades sérias ao iraniano comum e ameaçar o seu direito à saúde”.

Brian Hook tem outra opinião. Se o Irão investisse um décimo dos “milhares de milhões que gasta em terrorismo e guerras externas” num “sistema de saúde melhor”, argumentou, “a população iraniana estaria bastante melhor”. A estratégia é para manter, pelo menos para já.

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