Não deixar ninguém para trás

A proteção do emprego é a grande omissão das medidas que têm sido apresentadas pelo Governo.

A crise epidémica que vivemos apanhou o mundo desprevenido. O vírus não conhece fronteiras e não há armas eficazes para o combater, a vacina ainda demorará algum tempo até ficar disponível. Por enquanto, o mais simples é mesmo o mais eficaz: distância social e o cumprimento estrito das regras que a Direção Geral da Saúde (DGS) não se cansa de repetir e já sabemos de cor.

A introdução do estado de emergência não é motivado pelo comportamento do nosso povo perante as medidas propostas pela DGS. Elas têm sido seguidas de forma exemplar, algo que nos orgulha a todos. É o reforço da capacidade do Governo para agir na economia e na capacidade produtiva do país, orientando o que existe para o essencial: capacitar o país para responder na máxima força a esta pandemia.

As prioridades estão claras e são incontornáveis: garantir a resposta do SNS e apoiar os seus profissionais, proteger as pessoas e os seus rendimentos. Para isso, temos de reconhecer a existência de duas crises simultâneas: a emergência sanitária e a emergência económica e social.

As medidas aprovadas recentemente no Conselho de Ministros poderiam dar essa resposta. Contudo, parece haver uma enorme omissão na estratégia do Governo, a proteção das pessoas na economia. Por um lado, parece que se ignora que algumas empresas não estão a acompanhar o civismo geral e falham na proteção dos trabalhadores, não aplicando os planos de contingência devidos. Por outro lado, outras empresas há que se descartam da sua força de trabalho. Estamos a assistir a uma vaga de despedimentos que já afeta milhares de pessoas, principalmente precários ou com contratos temporários. Se na Itália assistimos a uma decisão histórica de impedir os despedimentos, em Portugal essa resposta não existe. A proteção do emprego é a grande omissão das medidas que têm sido apresentadas.

Sabemos que os próximos tempos não serão fáceis. Ainda não ultrapassamos a crise de saúde pública (nem teremos chegado ao seu pico), mas tudo indica que a crise económica e social durará muito mais tempo. E, se pensarmos nos setores da economia que terão mais dificuldades no futuro próximo, a conclusão geral é que o turismo se irá ressentir enormemente. O problema é que esse foi um dos motores que mais puxou pela nossa economia nos últimos anos – se ele nos faltar, percebem-se as dificuldades que enfrentaremos.

Poderíamos abrir o debate sobre como não nos preparamos para este momento: não diversificamos a economia, não reestruturamos a dívida pública, não aumentamos a produtividade em setores estratégicos, nem investimos na inovação como deveriamos ter feito. Não me interessa fazer esse debate agora porque sei que o jogo de passa culpas só nos distrai, não apresenta soluções. Olhar para o futuro terá de partir de uma análise crítica, mas não tem de ficar refém dela. E, num contexto próximo em que o turismo não será a nossa galinha dos ovos de ouro, deve ser o momento para finalmente a resposta que tarda: investimento público de qualidade.

É agora que se farão as escolhas fundamentais sobre como enfrentamos a crise económica. Não temos de repetir os erros da crise de 2007/2008, nem está escrito que a austeridade é inevitável – já demonstramos que a austeridade é um problema, não uma solução. Será isso possível? Acredito que sim.

Olhando para a escala europeia, há poucas boas notícias. O que foi apresentado pelo Eurogrupo e pela Comissão Europeia é uma ironia enorme: pretendem mobilizar para combater a pandemia os mesmos fundos querem cortar para, no próximo ano, alimentar a indústria militar. Ninguém acredita em mudanças estruturais naqueles corredores de Bruxelas.

E, se são boas notícias as que chegam das propostas do Banco Central Europeu, a conclusão triste é que estão a falar sozinhos, porque nem Ursula von der Leyen nem Mário Centeno parecem estar à altura do desafio, ainda agarrados à receita do costume. Ora, como vimos no passado, os Tratados são contrários ao investimento público e, com o peso da dívida pública, o business as usual será inimigo do povo português.

A dor de uma crise económica é evitável se tivermos a coragem de defender o investimento público que nos proteja e prepare. Está nas nossas mãos não deixar ninguém para trás.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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