Separados para vencer juntos o coronavírus

Os espanhóis fazem das suas varandas e janelas o palco principal de uma performance de aplausos cada noite.

Foto

Espanha mudou há uma semana. O país que conhecíamos já não é o mesmo e tudo indica que continuará a ser assim mais do que 15 dias, pois o Governo de Pedro Sánchez admitiu que o estado de alarme será prorrogado muito provavelmente. As ruas do país amanhecem cada dia vazias e em silêncio. Já não há reuniões nos parques nem nos cafés, não há festas nem passeios. Agora a verdadeira batalha está nos hospitais e é contra um pequeno e invisível inimigo chamado coronavírus. O pessoal da área da saúde combate dia a dia o COVID-19 quase sem material, mas também cada um de nós, ficando em casa, ajudamos a pará-lo.

Desde o passado sábado, as janelas e varandas do país se converteram no melhor palco, e plateia ao mesmo tempo, de uma peça conjunta. A estreia principal é sempre às 20h00 da noite quando as ruas trocam o silêncio por milhares de “obrigados” e aplausos. Novos sons para agradecer às pessoas que trabalham diariamente em hospitais, supermercados, transportes, forças de segurança e muitas mais a sua entrega e esforço nestes dias.

Mudam também os sons em várias comunidades de vizinhos onde se juntam para jogar ao bingo, à batalha naval, cantar e muitas outras atividades desde as varandas. Vizinhos que, se calhar, antes nem se conheciam, mas que agora estão mais unidos do que nunca: “A criatividade e o humor é o que nos ajuda a passar melhor a quarentena”, diz Cristina Gómez. Também surgiram já muitas iniciativas solidárias como a da sua comunidade, onde os mais jovens fazem as compras aos idosos do prédio. A artista Yolanda Catalán destaca que agora que “descobrimos quem mora perto de nós, era bom não perder o espírito de comunidade depois da quarentena”. 

O mesmo ocorreu em Valência com as fallas, umas Festas de Interesse Turístico Internacional. O dia 19 de Março era o dia grande da cidade e músicos de várias bandas organizaram una iniciativa nas redes sociais. De manhã, saíram às varandas e as notas musicais encheram as ruas da cidade com canções tradicionais como Amparito Roca e Paquito el chocolatero. De noite, numas festas normais tiveram sido queimados os grandes monumentos artísticos: as fallas. Por isso, os vizinhos de Valência decidiram simular esse momento com velas e lanternas nas suas varandas. Alejandra López faz parte duma falla e para ela, esta quinta-feira, foi “muito emotivo e emocionante, é triste não poder fazer as nossas festas, mas estamos unidos e foi lindo ver a cidade cheia de luz”.

A vida pública passou da rua às varandas e também à internet. Não há atividades fora de casa, mas sim nos telemóveis e computadores. Artistas que organizam festivais e fazem concertos a cada hora em direto pelo seu Instagram ou Facebook, treinadores que fazem aulas de desporto, programas de TV que continuam as suas emissões com os apresentadores e colaboradores desde as suas casas para dar exemplo e até o Museu do Prado “abriu” as suas portas online para visitarmos as suas obras desde o sofá. Aulas de todas as temáticas também passaram para a internet: cozinha, yoga, leitura... e, claro, as das escolas e universidades. “Será difícil acompanhar os alunos à distância, porque as as famílias não têm os mesmos recursos”, diz a professora de escola Sara Portolés, acrescentando que “vamos a adaptar-nos da melhor maneira possível; temos de reinventar-nos e facilitar outra forma de aprendizagem”.

Em definitivo, muitas pessoas estão a partilhar aquilo que melhor sabem fazer com o objectivo de melhorar o tempo de quarentena dos outros. No campo, os agricultores começam a utilizar os tractores para fazer tarefas de desinfecção nas aldeias e já há empresas que estão a mudar a sua produção. Os médicos, com os hospitais quase colapsados, queixam-se do pouco material de protecção para fazer frente à pandemia e alguns partilham vídeos explicativos onde mostram como fazer batas com plásticos. Nos últimos dias, já foram contratados estudantes, licenciados e profissionais de saúde na reforma. Também falta álcool para desinfectar. Por isso, uma destilaria de bebidas de Granada já mudou o seu trabalho habitual para o produzir.

Os casos continuam a crescer e Espanha já superou os 20.000 contagiados e o milhar de mortes. Por este motivo, a mensagem repete-se em todos os sectores: “Não saiam de casa”. E com mais insistência com a chegada do fim-de-semana: “O vírus não descansa”. Algumas pessoas já foram multadas por não respeitarem as normas do estado de emergência. Outros cidadãos querem voltar a casa. É o caso dos espanhóis que estão no estrangeiro. O Ministério dos Negócios Estrangeiros está a trabalhar no regresso deles, mas a tarefa não está a ser fácil: “Decidi ficar no Equador, porque estou numa zona afastada onde não há contágios; não sinto que esteja em perigo”, explica Laura Saura. “É muito difícil voltar, por isso prefiro ir a Espanha mais para a frente”, diz.

 Segundo afirma o Governo, os contágios vão continuar a crescer e o pior está ainda por chegar, mas a solidariedade também não pára. Por isso, vão continuar os “obrigados” e os aplausos às 20h00 horas, o humor, a criatividade, a música, o apoio entre vizinhos e as mensagens em janelas e varandas a dizer “todo va a salir bien”. Iniciativas que fazem lembrar que estamos separados, mas que só juntos podemos vencer o coronavírus.

Sugerir correcção
Comentar