O admirável mundo novo, a humanidade e a Mãe natureza

A mudança que se advinha vai ser estrutural, principalmente a nível sociológico, filosófico e eventualmente até político e jurídico.

Já Huxley em 1932 demonstrava que por mais que se quisesse uma sociedade perfeita, estratificada e quase automatizada, a natureza humana, tal como é, se sobrepunha e impunha, com tudo de bom e de mau que comporta.

Todos nós sabemos, um pouco mais ou um pouco menos, que o mundo tal qual o conhecemos não vai retornar.

Esta pandemia global obrigou-nos a mudar os nossos hábitos e a repensar a forma como estamos e vivemos uns com os outros.

Parece uma espécie de lição que a Mãe natureza nos dá. A todos nós que tanto vivíamos acelerados em busca de mais tempo e mais compromissos, agarrados às novas tecnologias que nos davam uma sensação de proximidade e de coragem camuflada, hoje somos obrigados a saber como usar o tempo que excede e a usar essa tecnologia para manter as nossas relações pessoais vivas, com a sensação parca de proximidade.

A perfeição associada à humanidade é uma contradição nos seus próprios termos. A humanidade é por natureza imperfeita, sendo essa imperfeição aquilo que de melhor dela brota.

O Homem é um animal social, perspetiva rousseana, tão certa e hoje tão saudosista. Como sempre aprendemos em direito, com o  escrito de Ulpiano no "Corpus Iuris Civilis",  ubi homo ibi societas; ubi societas, ibi jus. O Homem só será verdadeiramente Homem se viver em comunidade, surgindo o direito como forma de regular essas relações sociais.

Hoje, o direito tem vindo a regular a excecionalidade desta nossa nova realidade, estabelecendo as necessárias restrições aos nossos direitos fundamentais. Apregoando-se serem excecionais e temporárias. E se o forem, como estou certa de que o serão, são o reforço da nossa democracia.

Mas nem tudo é mau, nem tudo é atemorizador. Estas restrições reforçam a tão típica característica da humanidade em se adaptar e sobreviver a novas e muitas vezes cruéis exigências.

Conseguimos, com maior ou menor esforço, manter a nossa atividade, os nossos contactos, a nossa intelectualidade e acima de tudo a nossa união, tolerância e solidariedade.

Para além de bonito de se ver, o que se tem visto, ainda, à distância, é a prova, como demonstração da realidade dos factos, que a humanidade quer sempre e acima de tudo manter-se por aqui. Que por mais lições que receba da Mãe natureza e cada vez mais a respeite, existirá sempre como uma espécie de filho rebelde que vai aprendendo com os seus erros e só deixará a rebeldia com a interiorização da reverência que deve à educação de sua Mãe.

A mudança que se advinha vai ser estrutural, principalmente a nível sociológico, filosófico e eventualmente até político e jurídico. Estou certa de que iremos ver e viver muito diferentemente as nossas aulas, os nossos jantares, as nossas reuniões de trabalho, os nossos julgamentos, os nossos passeios ao ar livre, as festas dos nossos filhos, o Natal, as férias e todos os outros eventos que até há bem pouco tempo eram vistos e sentidos como mais um elemento da nossa rotina.

Sendo também certo que a aldeia global não é apenas um conceito académico ou sociológico e muito menos apenas uma consequência tecnológica, é uma realidade bem presente e hoje, infelizmente, muito bem demonstrada.

Esta inexistência de fronteiras, a vários níveis, vem agora também reforçar a constatação de que a humanidade é a humanidade, global e homogénea. Não há cidadãos e não cidadãos, ou pessoas e não pessoas, ao contrário do que refere Günter Jakobs o conceito de pessoa não é puramente normativo, é um conceito natural resultante da conceção de humanidade. Mesmo quando algumas pessoas praticam comportamentos desviantes.

Termino dizendo que apenas espero que a mensagem desta tão dura lição da nossa Mãe natureza perdure por muito tempo, para que não nos esqueçamos que não há nenhum mundo que seja admirável sem a sua orientação e guarida. Se a respeitarmos e obedecermos seremos por certo melhores pessoas, enaltecendo a humanidade.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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