A pandemia e os despedimentos selvagens

Estão neste momento a decorrer violações do direito laboral, que vão desde a sugestão ao trabalhador para este lograr obter baixa médica não estando doente, até ao despedimento selvagem e ao despedimento elegante, que é aquele que é comunicado por capatazes, como são as empresas de trabalho temporário.

Não é necessário um grande esforço intelectual para compreender que a situação da pandemia que o nosso país atravessa deixa mais frágil e desprotegido quem já é fraco e tem pouca protecção legal, por só viver do seu trabalho.

Os trabalhadores com relações de contrato de trabalho precário, designadamente os que estão vinculados por contratos a termo, bem como aqueles que se encontram com contratos de trabalho temporário com empresas de trabalho temporário, estão na linha da frente para serem despedidos, na modalidade de caducidade dos contratos.

Também os trabalhadores independentes, que na verdade são dependentes, podem ter o mesmo destino que é o da cessação dos seus contratos de trabalho, alegadamente de prestação de serviços. E há muitos outros trabalhadores independentes, que não são dependentes de uma entidade empregadora, que só dependem do que eles próprios produzem e que vão ficar desprotegidos.

Lembro, por exemplo, o artista, o ilustrador, o designer e muitas outras profissões que deixam de vender as suas obras ou os seus produtos, mas que têm de continuar a pagar a renda de casa e as despesas domésticas e, obrigatoriamente, as contribuições da Segurança Social.

Quando se pretende proteger o emprego, pode não se conseguir abranger todos aqueles que mais precisam e que deixaram de ter um rendimento com o qual organizaram a sua economia familiar. As regras de protecção social chegaram a um ponto de regulamentação e burocratização que também deixam escapar nas suas malhas muitos dos mais debilitados quanto a rendimentos do trabalho.

Estão neste momento a decorrer violações do direito laboral, que vão desde a sugestão ao trabalhador para este lograr obter baixa médica não estando doente, até ao despedimento selvagem e ao despedimento elegante, que é aquele que é comunicado por capatazes, como são as empresas de trabalho temporário. 

Os utilizadores do trabalho temporário só têm de comunicar à empresa de trabalho temporário para esta, por seu lado, comunicar ao trabalhador que os contratos de trabalho caducaram porque o utilizador já não precisa deles. 
Como a realidade da vida está sempre à frente do Direito que a enquadra, também despontam as engenharias jurídicas imaginativas, sem enquadramento legal, mas que podem também não ser ilegais.

São sempre descobertas, provenientes da imaginação dos juristas das empresas que nos surpreendem, como é o caso da empresa que, presentemente, se encontra a incentivar trabalhadores a pedirem licenças sem vencimento mantendo determinados direitos que lhes são propostos.

A licença sem vencimento, face ao previsto no Código do Trabalho, é pedida por iniciativa do trabalhador e suspende o contrato de trabalho sem perda de antiguidade, mas só confere os direitos que não pressupõem a efectiva prestação de trabalho. Neste caso, que está em curso, quem incentiva o pedido de licença é a empresa que também oferece direitos que a lei não prevê.

Sabemos que a necessidade de elaborar Códigos de Ética e de responsabilidade social só aparece nas empresas quando se perde a noção da ética e da decência. E também sabemos que a responsabilidade dos gerentes e dos administradores que prosseguem com os despedimentos, por força da situação de força maior que o país vive, é diluída na responsabilidade limitada das sociedades.

Naturalmente que parte dos trabalhadores despedidos terão direito ao subsídio de desemprego mas, em muitas dessas circunstâncias, é a Segurança Social quem fica com o ónus do pagamento de um rendimento que cínica e irresponsavelmente lhe é transmitido por alguns empregadores.

Está ao alcance do Governo não aparar estas condutas reprováveis e tomar medidas de excepção, que poderão passar pela responsabilização, em circunstâncias concretamente definidas, dos administradores e gerentes por tais condutas, o que pode não ser muito amável.

Vai ser tão mais fácil despedir agora trabalhadores, dependentes e independentes, seja através do despedimento colectivo seja por extinção dos postos de trabalho, pois a fundamentação que já não era difícil de construir, com pouca engenharia jurídica, agora já nem sequer precisa dessa engenharia. 

Se temos a obrigação de ser solidários com as nossas famílias e amigos num momento tão excepcional como o que estamos a viver, também é exigível que os empresários protejam, pelo menos até ao limite do razoável, os seus trabalhadores.

Estamos numa fase em que o trabalhador deixou de ser colaborador e passou novamente a trabalhador, por causa da pandemia. Afinal há trabalhadores. Finalmente...

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