Uma fuga de informação irresponsável

O que se exige a um líder político com a relevância de Salvador Malheiro é cabeça fria e obediência ao interesse nacional. A fuga de informação que proporcionou não cumpriu essa exigência — nem aliviou a natural angústia dos nossos concidadãos de Ovar.

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Adriano Miranda

Um par de horas antes de o Governo ter anunciado o estado de calamidade no município de Ovar, o seu presidente, Salvador Malheiro, não resistiu e avisou na sua conta pessoal no Facebook que essa decisão dura e penosa para os 55 mil portugueses que aí vivem estava para acontecer — ou seja, Malheiro avisou os seus cidadãos que em breve seriam alvo de medidas extremas que os privavam da sua liberdade de circulação e restringiam as suas actividades económicas.

Ao fazê-lo, abriu-lhes as portas de uma oportunidade para contornarem as consequências do estado de calamidade, deixando as suas residências. Não a todos os ovarenses, claro. Mas sim aos que têm casas alternativas, acesso a informação, dinheiro para mudar de vida por algumas semanas e conhecimentos suficientes para perceberem que a oportunidade para furar a medida sanitária do Governo era rara e breve.

O gesto do também vice-presidente do PSD pode ser visto por alguns como um testemunho de altruísmo. Para o interesse colectivo, porém, para um país submetido em diferentes graus à violência da quarentena, do isolamento social, do desemprego, da falência anunciada ou mesmo da doença ou do seu pavor foi um exemplo de enorme irresponsabilidade.

Em Itália, uma fuga de informação sobre a cerca sanitária que as autoridades iam anunciar para a Lombardia e outras 14 províncias no Norte do país gerou o caos e permitiu que milhares de pessoas, algumas infectadas, propagassem a doença pelo território do país. Em Ovar não sabemos se esse episódio se repetiu. Mas o simples facto de haver essa possibilidade é suficiente para que nos preocupemos e coloquemos os desafios que enfrentamos nos seus termos: a epidemia é para ser levada a sério e só com um extraordinário esforço colectivo poderá ser vencida.

Temos de perceber o estado de espírito do autarca ao tomar conhecimento de um despacho da autoridade regional de Saúde que anunciava o confinamento dos seus munícipes. Percebemos o seu estado de alma ao saber que o seu território vai ser cercado pela polícia, que os comboios vão deixar de parar nas suas estações. Nenhum de nós gostaria de estar no seu lugar e é por isso difícil julgá-lo pela sua atitude. Mas nestes momentos temos de aceitar que só com medidas difíceis e dolorosas será possível vencer este desafio.

Nestas circunstâncias, o que se exige a um líder político com a relevância de Salvador Malheiro é cabeça fria e obediência ao interesse nacional. A fuga de informação que proporcionou não cumpriu essa exigência — nem aliviou a natural angústia dos nossos concidadãos de Ovar. Aprendamos com ela.

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