Quando o teu único crime é ser mãe

Berta foi acusada de ser uma criminosa, foi vítima da confusão que é o direito internacional e, por fim, está presa na prisão de Tires. A sociedade patriarcal ganhou.

Ser progenitor de uma criança é ter diariamente um papel de proteção e cuidado pelo seu bem-estar emocional e físico. Assim o é reconhecido pela sociedade desde as suas formas mais primitivas até às mais civilizadas. Ser progenitor de uma criança implica, portanto, tomar decisões difíceis pensando única e exclusivamente na criança vulnerável, correndo riscos a nível do seu próprio bem-estar. Um sacrifício que muitos pais diariamente assumem sem olhar a meios nem fins. Afinal de contas, quantos de nós não comemos a última fatia de carne sob as palavras motivadoras de uma mãe que afirma não ter fome?

Implica também, por demasiadas vezes, ser vítima de agressões. Isto porque, na nossa sociedade, separar um conjugue que agride de uma vítima de violência doméstica é equivalente a danificar as raízes patriarcais vigentes em Portugal e na Europa. Portanto, enquanto muitos lutam pela igualdade de direitos e proteção para as vítimas, outros tantos lutam para conservar esses resquícios arcaicos do direito de o marido dar uns tabefes na mulher ou nas crianças por algo que lhe desagrade. E ai da mulher que tente fugir de casa, divorciar-se ou tentar recomeçar a sua vida, principalmente com crianças sob a sua asa. Não só esses indivíduos arraçados de Neandertal não o permitem como a nossa legislação permite perpetuar estas situações de submissão do poder à figura paternal.

Berta divorciou-se de uma dessas pessoas em França. As suas duas crianças ficaram obrigadas a ficar com o pai, que só não lhes batia porque a mãe se metia entre eles, por um tribunal francês. Berta veio para a sua terra natal (Portugal) com o intuito de restabelecer a sua dignidade e segurança, de modo a proporcionar o mesmo às suas crianças. Em 2011 casa-se com Jorge e tem um terceiro filho. Ora, em 2016, as crianças – cujo desgaste psicológico, emocional e físico era visível (comprovado por relatórios de especialistas) – vêm passar férias com a mãe em Portugal. Foi o seu pedido de socorro que Berta ouviu. Das suas indefesas crianças que não queriam voltar para França, que tinham medo do pai e que queriam ficar com Berta e Jorge. Berta fez o que qualquer mãe na sua posição faria, proteger as crianças de algo que as prejudicava. Os tribunais portugueses também assim o entenderam e deram a custódia à mãe. As crianças estabilizaram e, ao contrário das famílias do livro Anna Karenina de Tolstoi, eram uma família feliz e não tinham problema algum em ser iguais a tantas outras famílias.

Assim não o entendeu o tribunal francês e as autoridades francesas, que não só não aceitaram as decisões dos tribunais portugueses como emitiram um mandato de captura internacional com vista a prender Berta, acusada por ser mãe. Sim, o único crime que Berta cometeu foi ser mãe, e proteger as suas crianças. Podem tentar rotular a acusação sob a bandeira do rapto de menores, mas aos olhos da sociedade só há uma forma de ver este acontecimento. Berta tentou fugir de uma relação baseada na violência doméstica, proteger as crianças e recomeçar as suas vidas. O resultado é que Berta foi acusada de ser uma criminosa (aos olhos do sistema patriarcal, tentou sair do jugo do ex-marido), foi vítima da confusão que é o direito internacional (em que uns tribunais decidem uma coisa e outros outra) e, por fim, está presa na prisão de Tires. A sociedade patriarcal ganhou. Afastou uma pessoa cuja única motivação era proteger as suas crianças e enviou uma nova mensagem a todas as mulheres pela Europa que estão presas em relações de violência doméstica: não tentem fugir, ou o que vos acontece é serem tratadas como criminosas e irem parar à prisão, ao contrário dos vossos agressores, que têm pena suspensa e mantêm direitos sobre as vossas crianças.

Não nos esqueçamos que vivemos numa altura de pandemia com o novo coronavírus, em que as prisões não têm condições para garantir a higiene a muitos dos seus prisioneiros, inclusive o papel higiénico e medicamentos de que Berta precisa.

Assim, neste caso, quem perdeu foram os direitos humanos, as convenções, as mães e crianças, através de um novo exemplo que nos demonstra as garras do Direito patriarcal em ação. Mas, principalmente, quem perdeu foram as três crianças de Berta que estão afastadas da sua mãe, foi o marido de Berta que está afastado em desespero da sua mulher e amada, e foi Berta, que está presa por ser mãe e em risco de vida. #libertemaberta

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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