Coronavírus: Trump, Fed e Congresso preparam resposta idêntica à crise financeira

Nos Estados Unidos já se decidiu abandonar a timidez inicial na resposta à crise económica provocada pelo novo coronavírus. Um pacote de estímulos económicos de 850 mil milhões de dólares está a ser preparado

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Reuters/JONATHAN ERNST

Com Wall Street a registar as maiores quedas das últimas três décadas e o cenário de forte recessão na economia norte-americana a ser visto como inevitável, Casa Branca, Reserva Federal norte-americana (Fed) e Congresso dos EUA estão a preparar o lançamento de estímulos económicos semelhantes aos da última crise financeira. Para já, contudo, isso não está a ser suficiente para trazer a calma de volta aos mercados.

Na segunda-feira, assistiu-se na bolsa de Nova Iorque a mais um cenário de pesadelo. O índice Dow Jones perdeu quase 3000 pontos, fechando o dia com uma queda de 12,9%, a maior perda numa só sessão desde 1987. Juntando isto aos resultados negativos das últimas semanas, a perda de valor em Wall Street já supera os 30%.

É perante este colapso que os alarmes estão neste momento a tocar em todas as autoridades nos EUA. Na Casa Branca, depois de um pacote inicial de dimensão relativamente reduzida, Donald Trump prepara-se agora para avançar com a injecção de estímulos à economia de dimensão semelhante aos lançados pelo seu antecessor, Barack Obama, em 2009, no auge da crise financeira internacional.

De acordo com o The New York Times, o secretário do tesouro norte-americano Steven Mnuchin está a tentar convencer os senadores republicanos a aprovar um plano que envolve um estímulo total para a economia de 850 mil milhões de dólares (cerca de 775 mil milhões de euros).

A peça fundamental desse pacote de medidas será um corte dos impostos sobre o rendimento, algo que Donald Trump tem vindo a defender publicamente. Para além disso, algumas das indústrias mais afectadas poderão receber ajudas directas. Um apoio de 50 mil milhões de dólares (uma parte através de alívios fiscais) às companhias aéreas é uma das possibilidades em cima da mesa.

Em final de mandato, Donald Trump parece disposto, com esta intervenção agressiva, a fazer tudo o que for possível para que entrada da economia em recessão, um cenário considerado já muito provável, possa ser limitada no tempo.

No Congresso, tradicionalmente é do lado Republicano que surge a oposição a políticas orçamentais expansionistas por parte dos presidentes. Desta vez, contudo, não é de esperar uma oposição significativa às intenções de injectar rapidamente dinheiro na economia.

Do lado dos democratas, a oposição pode apenas existir relativamente ao modo de injectar os estímulos. Um grupo de senadores democratas lançou uma proposta alternativa de entregar a cada americano 4500 dólares, como forma de sustentar o rendimento disponível e tentar travar a queda no consumo.

Do lado da autoridade monetária, as medidas já têm vindo a ser sucessivamente reforçadas ao longo das últimas semanas. Depois de ter colocado as taxas de juro a zero e de ter injectado 2,5 biliões de dólares no sistema financeiro, a Fed, perante a persistência da instabilidade nos mercados, anunciou esta terça-feira que irá reforçar as suas compras de papel comercial e outros títulos usados pelas empresas para se financiarem.

É o regresso em larga escala ao programa de compra de activos que tinha sido lançado durante a crise financeira internacional e entretanto interrompido quando a situação na economia se normalizou.

Para já, contudo, não é possível ver nos mercados financeiros um regresso à calma. Depois da queda do dia anterior, a sessão desta terça-feira na Bolsa de Nova Iorque começou com uma pequena recuperação, seguida por uma inversão de tendência que colocou os índices outra vez a caminho de uma perda e que teve como sequência uma nova recuperação. À 16h de Portugal Continental, o Dow Jones registava uma subida de 3,2%.

Na Europa, as bolsas, que abriram e fecham mais cedo (16h30 em Lisboa), estão também a registar uma variação positiva, mas insuficiente para compensar as perdas do dia anterior.

Também aqui, os governos têm vindo, de forma progressiva, a apresentar medidas de apoio à economia, tendo Mário Centeno, como presidente do Eurogrupo, prometido esta segunda-feira fazer “tudo o que for preciso” para contrariar os efeitos negativos da pandemia. E do lado do BCE, com pouco espaço para descer taxas de juro, foi anunciado um reforço do programa de compras de activos e uma melhoria das condições dos empréstimos aos bancos, que passam também a ter de atingir rácios de capital menos exigentes.

Nos Estados Unidos, a expansão do novo coronavírus está a ocorrer mais tarde do que na China e na Europa, mas está a começar a ter também como consequência uma limitação drástica dos movimentos das pessoas, o fecho de diversas empresas e uma redução do consumo de bens não essenciais.

Nos mercados, não só nos EUA como em todo o mundo, a palavra recessão passou a estar presente em todas as discussões, com os investidores a temerem que se possa estar perante bem mais do que uma simples interrupção momentânea da actividade económica.

Em particular, o facto quase inédito de, repentinamente, quase todas as actividades económicas em todo o mundo estarem a ser afectadas colocou os investidores perante o dilema de não saber onde colocar o seu dinheiro em segurança.

Para além disso, devido às características únicas desta crise, não é ainda seguro que as medidas que estão a começar a ser tomadas pelas autoridades para contrariar o impacto económico negativo possam ter o resultado pretendido. A dúvida está, por exemplo, em saber se as famílias, mesmo com mais dinheiro disponível devido a um alívio fiscal, vão conseguir e querer consumir mais, estando fechadas em casa.

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