Democracia é... não decidir sozinho

Fez bem, o primeiro-ministro, quando disse: “Não faremos nada em excesso na restrição de direitos e liberdades”.

O primeiro-ministro começou a legislatura confiante no resultado eleitoral que deu 140 deputados aos partidos da esquerda (108 dos quais ao PS) e a dizer que governaria com acordos pontuais, negociando aqui e ali, sem nada escrito, ao contrário do que aconteceu em 2015.

Parecia fácil, mas bastou vir o primeiro Orçamento do Estado para que o Governo percebesse uma lição valiosa: para garantir apoios parlamentares — e, já agora, estabilidade governativa —, é preciso compromissos. Não basta apoiar esta ou aquela medida. Tem de procurar-se uma plataforma de entendimento comum. É por essa razão que PS e Governo já pensam numa abordagem diferente para um novo orçamento.

Há quatro anos, dizia-se que Pedro Passos Coelho era o “cimento” da “geringonça”. Não era. O que unia os parceiros de solução governativa era um objectivo essencial: a reposição de rendimentos. O que Passos Coelho unia, com a sua liderança obstinada e o seu estilo pouco dado a extroversões, era a direita, em colapso desde então. 

Chegamos assim ao mês de Março de 2020. E se o Governo, por um lado, quer continuar a fazer política, a preparar terreno para o resto da legislatura, ensaiando uma nova forma de garantir a aprovação do Orçamento do Estado para 2021; por outro lado, tem de fazer o que os executivos nem sempre fazem: tomar decisões e gerir uma crise que é sanitária, que vai ser económica e que pode ter consequências políticas inesperadas.

A pandemia que afectou, até domingo, mais de 160 mil pessoas em todo o mundo, e que pôs a minha geração num nível de alerta que nunca tinha vivido antes — outras gerações lembrar-se-ão de escolas e discotecas fechadas, portos encerrados, fronteiras controladas, proibição de beber álcool na via pública, mas não a minha, não tudo isso em simultâneo —, essa pandemia já está a mudar a forma como os cidadãos olham para a política. E nem tudo é positivo.

Há quem elogie as medidas musculadas do Estado chinês, que controla através de QR codes os acessos dos indivíduos a empresas e transportes públicos; e quem prefira o estilo autoritário ou as soluções populistas de outros líderes europeus. Eu, por enquanto, estou satisfeita com a forma como os decisores portugueses têm respondido ao avanço do vírus, tentando respeitar as regras democráticas, e com a forma como os cidadãos, em geral, têm acatado as indicações, sem ser preciso usar a força ou a autoridade.

Fez bem, o primeiro-ministro, quando disse: “Não faremos nada em excesso na restrição de direitos e liberdades”. E como várias cabeças pensam melhor do que uma, já sabemos que está a haver contactos de alto nível (reuniões com Espanha, Conselho de Estado, conferência de líderes, telefonemas para líderes partidários), para que ninguém decida sozinho. No final, é isso a democracia.

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