Coronavírus: “Trump tem de saber que não é Deus”, diz ministra do Zimbabwe

A covid-19 veio mostrar aos EUA o que é viver sufocado, afirmou Oppah Muchinguri. Governos africanos impõem medidas restritivas à medida que os casos positivos se generalizam a todo o continente. PALOP ainda sem infecções.

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Um homem no aeroporto da Cidade do Cabo, África do Sul, onde o Presidente, Cyril Ramaphosa declarou o coronavírus como um "desastre nacional" NIC BOTHMA/EPA

A ministra da Defesa do Zimbabwe afirmou este fim-de-semana que o coronavírus está a mostrar ao Ocidente, principalmente aos Estados Unidos, o que é viver sufocado pela pressão de outros países. “As suas economias estão agora a gritar. Não é a isso que obrigam as nossas economias?”, perguntou Oppah Muchinguri.

“Trump tem de saber que não é Deus. Estão a sufocar-nos, para onde é que querem que vamos? Agora é a vossa vez de se sentirem sufocados pelo coronavírus. Para que sintam como dói”, disse a ministra, referindo-se às sanções ao Governo do Zimbabwe, renovadas recentemente pela Administração dos EUA.

No meio de uma grave crise económica e de uma seca severa, o Zimbabwe viu-se obrigado a fechar a principal central de tratamento de água que abastece Harare, capital do país, deixando mais de dois milhões de pessoas sem água, por não ter divisas para pagar os 2,3 milhões de euros mensais que custam os químicos necessários para a tornar potável.

O Zimbabwe ainda não tinha até esta segunda-feira quaisquer casos de coronavírus no país, embora na Namíbia e, sobretudo, África do Sul, países vizinhos haja já infectados com o coronavírus.

Até agora, África têm-se mantido resiliente à entrada do vírus, mas à medida que pessoas de zonas mais afectadas pela epidemia procuram refúgio no continente e alguns chegam infectados, mesmo assintomáticos, o número de casos começa a crescer.

Egipto, África do Sul, Argélia, Marrocos, Senegal, Tunísia são os países com mais infectados. Entre os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) nenhum ainda registou qualquer caso, embora todos eles sintam a pressão nas suas fronteiras.

Moçambique, com uma movimentada fronteira com a África do Sul, aumentou no sábado as medidas de prevenção, mesmo depois de os dez casos testados terem dado negativo, anunciando o Presidente, Filipe Nyusi, “quarentena obrigatória de 14 dias a todos os cidadãos provenientes de países com transmissão activa, independentemente de serem moçambicanos ou não”, bem como o “isolamento de todos os casos com sintomatologia grave”.

Na Guiné-Bissau, as autoridades decidiram mandar fechar bares e discotecas porque, apesar de não terem sido ainda detectados casos do vírus, o país mantém uma fronteira muito activa com o Senegal, onde esta segunda-feira havia 26 casos confirmados. A medida junta-se à anunciada na semana passada, de suspender actividades com aglomerações de pessoas, nomeadamente concertos e cerimónias religiosas e tradicionais.

Cabo Verde, igualmente com relações muito próximas com o Senegal e cuja economia depende muito do turismo, proibiu até 30 de Junho a realização de grandes eventos “que reúnam números elevados de participantes vindos de países assinalados com pandemia de coronavírus”. A Cabo Verde Airlines suspendeu a ligação a Lagos, na Nigéria, a Washington, Estados Unidos, à cidade brasileira de Porto Alegre, inauguradas em Dezembro, como já o fizera em relação aos voos para Milão e Roma.

Além disso, diz a Lusa, todas as embarcações de recreio que pretendam aportar nas ilhas cabo-verdianas, principalmente na marina do Mindelo, a maior do arquipélago, vão ter de passar por uma “inspecção sanitária”.

Em São Tomé e Príncipe, igualmente sem casos de infecção, nem mesmos suspeitos, o ministro da Saúde, Edgar Neves, alertou no domingo a população para estar preparada: “Esperemos o melhor, mas preparemo-nos para o pior”, referiu, citado pela Lusa.

Entre as medidas adoptadas pelo Executivo são-tomense, está o desaconselhamento das visitas turísticas às ilhas por parte de “cidadãos estrangeiros por razões de turismo ou outra actividade qualquer que o país não considere essencial”.

Quem mesmo assim viajar terá de provar à chegada que fez o teste de despistagem do coronavírus: “Estes viajantes têm que fazer um teste nos pontos de partida e têm que provar-nos que foram testados ao chegarem a São Tomé e Príncipe”.

Até porque os testes rápidos ao coronavírus, que o Executivo diz que já encomendou, ainda não chegaram.

Em Angola, onde este domingo se voltou a respirar de alívio, depois de cinco casos suspeitos com coronavírus terem dado negativo, as autoridades mostram preocupação porque os países à volta começam a registar os primeiros infectados (daqueles com quem tem fronteira, só a Zâmbia seguia esta segunda-feira livre do vírus).

Das 57 pessoas isoladas no centro de quarentena instalado em Calumbo, no extremo Sul da província de Luanda, 31 saíram, entretanto, depois de não revelarem qualquer sintoma da doença.

Mais de 400 infectados

Mesmo mantendo-se relativamente imune em relação ao resto do mundo, onde até a América do Sul começa a ver os números ascender de forma rápida, África vai vendo o número de infectados subir de dia para dia. Mesmo assim o grosso dos 409 casos positivos, quase 60% deles, está concentrado em três países.

O Egipto é o que de longe tem mais infectados (126), embora não seja onde se regista o maior número de mortos, a taxa de letalidade continental mais alta é a da Argélia – dos 54 doentes de covid-19, quatro morreram.

Registo que deixou as autoridades argelinas muito preocupadas, pedindo aos que tenham viagens marcadas para países com epidemia para adiar a deslocação e aos emigrantes argelinos que pretendiam visitar a família na Argélia para aguardar umas semanas. Com a grande maioria dos seus emigrantes em França, a Argélia teme que isso faça aumentar o número de infectados, tendo em conta a situação epidémica “extremamente preocupante".

Na África do Sul, que tem o segundo maior grupo de infectados, o Presidente Cyril Ramaphosa, fez um discurso à nação no domingo, considerando a epidemia como um “desastre nacional”. “Nunca antes na história da nossa democracia, fomos confrontados com uma situação tão grave”, afirmou o chefe de Estado.

Com mais de metade dos países do continente com casos, depois de Ruanda, Guiné-Equatorial e Namíbia terem anunciado este fim-de-semana os seus primeiros infectados – embora os cientistas acreditem que haja mais casos de covid-19 ainda por descobrir –, os alarmes começam agora a soar. Bruce Bassett, especialista em dados da Universidade da Cidade do Cabo que vem monitorizando o avanço da epidemia desde Janeiro, lançava o alarme este domingo, citado pelo site ScienceMag: “A minha preocupação é que tenhamos aqui uma bomba-relógio”.

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