A corrida para garantir direitos de construção

Com a ameaça dos terrenos para onde se prevêem projectos turísticas passarem a rurais face ao atraso nas alterações dos PDM, os promotores imobiliários estão a tentar garantir que os seus direitos de construção fiquem legalmente garantidos.

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VR Virgilio Rodrigues

O Plano Regional de Ordenamento Territorial (PROT/Algarve) proíbe a construção na faixa litoral dos 500 metros. Mas há excepções. De acordo com o levantamento feito pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), prevê-se a construção de cerca de 20 mil camas turísticas nessa zona. No topo da lista estão os chamados “projectos estruturantes” ou de Potencial Interesse Nacional (PIN) que entraram no pacote que passou pela janela da “excepção” à regra que se aplica ao comum dos cidadãos. No troço litoral compreendido entre Vilamoura a Sagres (costa Vicentina) foram investidos, na última década, mais de um milhões de euros na compra de terrenos em zona de risco de galgamento oceânico. Só no empreendimento de Vilamoura, o fundo imobiliário Lone Star despendeu duas centenas de milhões. E agora o que fazem os investidores para segurar os promissores “castelos de areia”? Estão a tentar à pressa aprovar (ou obter a assinatura de um compromisso de contratualização com a administração pública) para garantir direitos urbanísticos.

No concelho de Portimão surgiu, no ano passado, o movimento de cidadania “A última janela para o mar”. O objectivo assumido pelo grupo ambientalista: travar a concretização do projecto turístico João de Arens (três hotéis, com 411 quatros). O processo está em avaliação. Uma das unidades hoteleiras ficaria localizada a 172 metros da linha da costa. Um dos dirigentes, Rui Amores lembra que o PROT de 2007 deixou “janelas” nos regulamentos para fugir às leis gerais do ordenamento. Desse modo, a coberto das “medidas de excepção” (seladas por uma Resolução do Conselho de Ministros (72/2007, de 3 de Agosto) foram aprovados 15 projectos, que em circunstâncias normais seriam rejeitados. Do conjunto destaca-se: a Cidade Lacustre de Vilamoura, o plano da Meia Praia (Lagos) e os Planos de Urbanização (PU) de Benagil e da Marinha (Lagoa), e o de João de Arens (Portimão). “Só não travam a sangria urbanística porque não querem”, diz Rui Amores, o advogado que tem patrocinado vários processos contra a administração pública em causas urbanísticas.

O ministro do Ambiente, Pedro Matos Fernandes, há cerca de dois anos, quando foi apresentado um projecto para erguer uma unidade hoteleira sobre as dunas da praia de Monte Gordo, tomou uma posição de firmeza que surpreendeu as Organizações Não Governamentais: “Já foi construído o último hotel à beira-mar”, declarou, lembrando o cenário bem conhecido da costa algarvia. Mais recentemente, no passado dia 3 de Fevereiro, aquando da apresentação do Plano da câmara de Loulé sobre Adaptação às Alterações Climáticas, deu um passo à retaguarda. Mostrou-se disponível para propor uma alteração legislativa visando mandar abaixo os “direitos adquiridos”, mas, de seguida, acrescentou: “É preciso um grande consenso para [os projectos PIN] poderem voltar atrás”.

Por seu lado, Rui Amores desafia a administração central e o poder local a assumirem o papel de defensores do interesse público, sem receio de virem a ser confrontados com pedidos de indemnização: “A lei só protege as expectativas de direitos [adquiridos] durante três anos”, enfatiza. Ora o que acontece, acrescenta, é que a maioria dos grandes projectos que estão a ser submetidos a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) tem dez ou 20 anos, sem que tenham desenvolvido o processo de licenciamento. “Não há direito a pedidos de indemnização”, enfatiza.

Mas a pressa em submeter projectos à Comissão de Avaliação de Impacto Ambiental, para garantir futuros direitos de construção não atinge apenas a orla marítima. No interior do concelho de São Brás de Alportel, um promotor holandês começou a desenvolver em 2010 um projecto turístico na Herdade Pero d’Amigos, na serra do Caldeirão. Mas só há um mês é que submeteu à Comissão de Avaliação o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para construir um Resort com 909 camas, numa área de 50 hectares.

Neste concelho com 11.500 habitantes, diz o presidente da Câmara, Vítor Guerreiro, “este é um investimento que nós acarinhamos, porque é um projecto ambientalmente sustentável, e na vila não existe um hotel”. A Comissão de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) tem 70 dias para se pronunciar, mas pode vir a pedir elementos complementares aos estudos. Na fase seguinte, segue-se a consulta pública do EIA, durante mais um mês. Cumpridas estas etapas com sucesso, a câmara pode licenciar. “Será que vamos a tempo?”, questiona o autarca, lamentando a lentidão burocrática. “Estamos a falar de um investimento no interior, não é em cima do mar”, remata. Fora das áreas urbanas tradicionais, está previsto, de acordo com a informação prestada pela CCDR, a construção de 7 mil fogos, que poderão cair, por falta de revisão dos PDM, e todas as 16 câmaras ( à excepção de Lagos, com o PDM aprovado em 2015) estão em falta.

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