Obras públicas: manipulação política dos processos de decisão

No aeroporto do Montijo e na Linha Circular do Metro de Lisboa, os processos de decisão foram tudo menos transparentes e credíveis.

Na sequência do “chumbo” da Linha Circular do Metro de Lisboa na Assembleia da República e do “chumbo” do aeroporto do Montijo por algumas autarquias, levantou-se um coro de “indignados” no PS e na comunicação social, contra a intromissão da AR na esfera do poder executivo, contra as coligações negativas, contra a “estupidez”, contra o bota-abaixo na AR, contra aqueles que são sempre do contra, contra os irresponsáveis que bloqueiam projectos que foram sujeitos a debate público, pareceres técnicos e Estudos de Impacte Ambiental (EIA), que há um tempo para debate, outro para decisão e agora é o tempo da execução, etc.. Sobre a manipulação dos processos de decisão destes projectos pelo Governo, que pouco mais foram que encenações para induzir em erro a opinião pública de forma a justificar projectos indefensáveis do ponto de vista do interesse público, nem uma palavra.

O facto de os argumentos apresentados no debate público que demonstram que estes projectos estão mal fundamentados e são extremamente negativos para a competitividade da economia terem sido ignorados não lhes interessa nada. O facto de o Governo se recusar a divulgar alguns dos estudos que fundamentam estes projectos não lhes interessa nada. O facto de outros estudos terem conclusões mal fundamentadas e aparentemente encomendadas não lhes interessa nada. A única coisa que interessa aos boys e opinadores “indignados” é que, como o Governo montou estas encenações, agora o país tem a obrigação de o deixar desperdiçar centenas de milhões de euros de dinheiros públicos e comprometer o futuro da nossa economia.

Vejamos em detalhe ambos os casos.

Aeroporto do Montijo

1. O estudo de procura, para justificar a longevidade do projecto: as conclusões, por não estarem fundamentadas, parecem ter sido encomendadas. Neste estudo, datado de 2016, as taxas de crescimento do tráfego de passageiros na Portela, de 2016 até ao presente, são muito inferiores às verdadeiras. E quanto ao médio e longo prazo, o estudo admite que a partir de 2025 a procura de tráfego aéreo de passageiros em Lisboa crescerá de forma igual ao PIB, a 2% ao ano. No entanto, como o próprio estudo reconhece, o tráfego aéreo tem crescido mais do que o PIB de forma consistente ao longo do tempo. O crescimento médio na Portela, entre 1970 e 2017, foi de 5,4% ao ano. Os estudos de procura da Airbus apontam para um crescimento de 4,8% a nível mundial durante a próxima década. E o tráfego em Lisboa tem subido mais do que a média mundial de forma consistente há muitos anos. Se se admitir o valor da Airbus, que não tem o menor interesse em falsear este tipo de estudos para não perder dinheiro, a solução Portela+Montijo saturará em 2030 e não em 2062, ou seja, não é uma solução para a falta de capacidade aeroportuária de Lisboa, mas apenas um remendo temporário e um desperdício de recursos.

2. No EIA afirma-se que a solução Montijo é mais barata e rápida de construir que um aeroporto novo em Alcochete. É verdade se se comparar com um aeroporto novo com duas pistas e uma capacidade cinco vezes maior do que o aeroporto do Montijo. Mas é falso se se comparar com uma 1.ª fase em Alcochete de capacidade semelhante ao aeroporto do Montijo. Ou seja, o EIA é intelectualmente desonesto na comparação com a principal alternativa.

Linha Circular do Metro de Lisboa

1. Os principais argumentos que o Metro e o Governo apresentam para a justificar são: permite melhorar a frequência, ou seja, reduzir os intervalos de tempo entre comboios, e permite uma ligação directa do Cais do Sodré ao eixo central (Entrecampos a Marquês de Pombal), para onde se dirige a maior parte dos passageiros vindos da Linha de Cascais. É verdade, mas só comparando com a situação em 2017, quando o Governo anunciou a construção da Linha Circular, pois a falta de material circulante e pessoal obrigava a aumentar os espaçamentos entre comboios e a Linha Amarela não liga à Linha de Cascais. É falso se se comparar com a alternativa do anterior plano de expansão, o prolongamento do Rato para Alcântara. Ou seja, para enganar a opinião pública bastou a nuance de não comparar a Linha Circular com a alternativa mas com a situação existente. Ainda por cima, a alternativa de Alcântara é mais barata se a linha aí chegar em viaduto.

2. O Governo diz que tem um estudo que mostra que a Linha Circular é a melhor alternativa para atrair mais passageiros para o Metro. Para “concluir” isso, comparou com uma alternativa ainda pior, que seria o prolongamento da Linha Vermelha só até Campo de Ourique, portanto sem ligar à Linha de Cascais. Ou seja, o estudo não demonstra que a Linha Circular é a melhor opção, apenas demonstra que não é a pior, o que é diferente. Além disto, o Governo não mostra o estudo, diz que é confidencial, mas não diz porquê. É como se dissesse: “Temos um estudo que mostra que a nossa opção é a melhor, mas não queremos que ninguém possa confirmar isso.” Isto é um processo de decisão transparente e credível?

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