Senhor primeiro-ministro, feche o país, pela sua e pela nossa saúde

Estamos em guerra, senhor primeiro-ministro, por isso temos de usar tudo para defender o nosso país, que está à mercê dum inimigo sem igual. O maior que alguma vez tivemos de enfrentar nas nossas vidas.

Vivemos tempos únicos, em que subitamente, aquilo que era adquirido como conquistado, ou seja, a contenção das grandes pandemias que assolaram o mundo, há um século, foi deitado por terra com a crise resultante da pandemia pelo coronavírus covid-19. Numa fase inicial o mundo encarou o problema como sendo um problema chinês, mas rapidamente se percebeu que, mais tarde ou mais cedo, iríamos ter uma disseminação global. E finalmente temos a pandemia, declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), na passada quarta-feira. E o que era aparentemente um problema sobretudo chinês passou a ser um problema do mundo.

O director-geral da OMS pediu, muito claramente, aos países para fazerem tudo para conter esta tragédia. Mas, embora seja uma pandemia, não chega ao mesmo tempo a todos e isso cria uma janela de oportunidade gigantesca para os países que ainda não tiveram o embate maior. É aqui que Portugal ainda pode minimizar a dimensão do inevitável. Mas o tempo escasseia.

Hoje já temos 169 casos confirmados, com 12 doentes em cuidados intensivos. Estes casos foram resultado de contactos nas últimas duas semanas, o que significa que os números vão começar a crescer de forma muito significativa nos próximos dias, prevendo-se um pico daqui a cerca de duas a três semanas.

Este é pois o momento de actuar com toda a força. Como se fosse o Dia D, em que temos de jogar tudo para minimizar a força do inimigo. Infelizmente as armas que temos para este inimigo são muito escassas ou nenhumas, pois ainda não há nem tratamento específico, nem vacina. Na passada quinta-feira, V. Exa. anunciou medidas que vão ao encontro daquilo que muitos de nós propúnhamos, nomeadamente encerramento de escolas e outros estabelecimentos, bem como algumas medidas restritivas que anunciou. Mas, senhor primeiro-ministro, a dimensão do problema que enfrentamos exige muito mais.

Podia fazer uma longa narrativa justificando o que lhe vou pedir, mas transcrevo resumidamente as palavras dum médico italiano com grande responsabilidade e que está agora a viver a catástrofe em Itália: “Retiraram-se os ventiladores das salas de operações para montar novas áreas de cuidados intensivos. Usa-se todo o tipo de máquina que permita ventilar. Compraram-se novos ventiladores. Mas não chega. Deixámos de ventilar os doentes com mais comorbilidades e os idosos. É uma morte difícil. Em solidão. Sem ventilação. Com morfina e midazolam. O desmame dos que sobrevivem é demorado.

Contam com quatro semanas de ocupação da Unidade de Cuidados Intensivos. A mortalidade é difícil de definir por causa dos que não chegam a ventilação invasiva. Estão a criar hospitais sujos e hospitais limpos. Pioram os cuidados aos não covid. Burnout entre os profissionais. Necessidade de apoio psicológico diário. Nenhum profissional se aproxima menos de um metro de outro. Têm teams próprios para intubação. Procuram intubar por fibroscopia. O essencial é os profissionais serem capazes de se despir de emoções. Diz que só tough guys aguentam a linha da frente.

Tem muitos anestesistas envolvidos. Este colega avisa para a necessidade de nos prepararmos psicologicamente. De não contar com as autoridades, mas sim com a nossa capacidade de inventar soluções. Deseja-nos muita coragem e muita força. Diz que as nossas vidas nunca serão iguais depois disto. Não sabe a que distância estão do pico, mas assinala que só as medidas de precaução na sociedade podem ajudar. E tem que ser a sério. Mais as medidas drásticas no hospital.

E este é o momento para Portugal tomar medidas ainda mais firmes, que nos defendam e minimizem a destruição que o inimigo, que já está entre nós, vai provocar.

Senhor primeiro-ministro, este é o momento de mostrar coragem e fazer o que tem de fazer que é decretar quarentena obrigatória, estado de emergência, porque é de uma emergência que estamos a falar. Fechar fronteiras, bares, cafés, restaurantes, casas de espectáculo, praias, tudo, excepto naturalmente os serviços essenciais, como os serviços de saúde. E estes terão de receber um reforço financeiro tão grande quanto o possa fazer. Estamos em guerra, senhor primeiro-ministro, por isso temos de usar tudo para defender o nosso país, que está à mercê dum inimigo sem igual. O maior que alguma vez tivemos de enfrentar nas nossas vidas.

Faça-o agora, quando ainda há uma pequena janela, do que daqui a uns dias quando já não tiver alternativa, mas for tarde de mais. Se agir agora, Portugal vai-lhe ficar grato para sempre, se agir tarde demais nunca lhe perdoará. E não pode dizer que não foi avisado.

Senhor primeiro-ministro, não perca mais tempo, pela sua e pela nossa saúde.

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