As linhas vermelhas da refundação da direita

A refundação da direita tem de ser feita dentro dos padrões da democracia liberal. Logo, longe de populismos radicais que raiam ou mesmo aderem a um discurso e um ideário de extrema-direita.

No momento em que o PSD tem iniciativa política, apresentando na Assembleia da República um projecto de revisão da lei eleitoral autárquica e anunciando que está a preparar outro projecto de revisão constitucional, a direita portuguesa reuniu-se, na terça e na quarta-feira, em Lisboa, na II Convenção do Movimento Europa e Liberdade (MEL).

Quando é cristalino que a política portuguesa está dividida em dois blocos, esquerda e direita, que muito dificilmente será possível entendimentos de governação entre o PS e o PSD — o que não significa que não possa haver acordos em questões estruturantes, incluindo uma revisão constitucional —, é importante que os dois campos políticos se organizem por si mesmos.

Por mais de uma vez, escrevi neste espaço sobre a urgência de a direita se organizar, se refundar, para tentar disputar o Governo. É uma evidência que no Portugal de hoje é praticamente impossível aos dois principais partidos, PS e PSD, atingirem a maioria absoluta.

Além disso, a hecatombe eleitoral que atingiu o CDS e a radical diminuição de deputados do PSD trouxeram as bancadas à direita no hemiciclo de São Bento para mínimos históricos: o PSD tem 79 deputados, o CDS cinco e o Chega e a Iniciativa Liberal elegeram um deputado cada. Ao todo somam apenas 86 deputados de centro-direita e direita.

Defendi mesmo que essa refundação deveria passar por uma fusão que, tendo o PSD como pólo central, agregasse o CDS e outros partidos e movimentos à direita. Uma grande coligação, do tipo da CDU de Angela Merkel, na Alemanha. Embora tenha noção de que essa união pode demorar e que dificilmente será feita com Rui Rio como líder do PSD.

A refundação da direita tem de ser feita dentro dos padrões da democracia liberal. Logo, longe de populismos radicais que raiam ou mesmo aderem a um discurso e um ideário de extrema-direita, como o Chega de André Ventura. Percebo que, tendo sido eleito deputado e tendo um mandato de representação, a sua participação tinha de ser acautelada na convenção do MEL. Os democratas não censuram opiniões e não se recusam ao debate. Aliás, é discutindo ideias e contrapondo argumentos que se afirma a democracia, mas isto tem de ser feito sem ceder a simplificações, aconchegantes para os medos, mas perigosas para o sistema político, porque mentirosas, manipuladoras e perversas.

Mas uma coisa é o debate, outra é a aceitação formal, institucional, de forças de extrema-direita, como o Chega, em acordos políticos e estratégicos de refundação da direita democrática. Do mesmo modo que não é aceitável que sejam aceites para o debate parlamentar projectos de lei anticonstitucionais e que põem em causa os direitos humanos.

Foi assim com expectativa que segui a convenção que juntou personalidades de direita. E foi sem surpresa que percebi que qualquer hipótese de refundação da direita democrática continua distante. Dos dirigentes e ex-dirigentes partidários que intervieram, apenas dois sublinharam a necessidade de união: o presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, e o adjunto do ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e ex-deputado Miguel Morgado.

Fundador do movimento 5.7 e coordenador, em conjunto com Rui Ramos, do livro Linhas Direitas — Cultura e Política à Direita, Miguel Morgado tem defendido uma refundação cultural da direita como base de uma refundação política. E na convenção, na quarta-feira, segundo o PÚBLICO, Morgado frisou a necessidade que esse movimento passe por uma “liderança política”, mas também por uma “federação das direitas”.

Na véspera, segundo o PÚBLICO, fora Rodrigues dos Santos a colocar a questão, centrando-a também na necessidade de a direita encontrar um líder forte e carismático. Uma solução que tem como referências as lideranças de Cavaco Silva e de Passos Coelho. Por muito que tenha valorizado o papel da liderança, o presidente do CDS não menorizou a necessidade de união à direita para atingir o poder, defendendo coligações pré-eleitorais, bem como a construção de “uma proposta de compromissos que ofereça aos portugueses uma solução de governo”, e alertou que “para a direita voltar ao Governo não basta ganhar eleições, é ainda necessário eleger a maioria dos deputados”.

Coube a Francisco Rodrigues dos Santos traçar uma das linhas vermelhas ao que poderá ser a reorganização da direita em Portugal: a não inclusão do Chega e do seu líder, André Ventura. “Se não nos encarregarmos de fazer a história da direita em Portugal, outros — porventura vindos das franjas, com voz de protesto — a farão por nós”, alertou, acrescentando: “Nunca o extremismo e o radicalismo tiveram tanta influência e nunca foi tão difícil forjar alianças sólidas que os enfrentem.”

Como bem alertou Rodrigues dos Santos, há linhas vermelhas que a direita democrática não pode deixar que sejam ultrapassadas.

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