As medidas de quarentena preventiva e a dignidade humana

Nada em direito é absoluto. Há limitações que se impõem e legitimam democraticamente. Desde que resultem em prol da protecção de um interesse maior ou pelo menos igual.

Estes últimos dias têm sido caracterizados por muita inquietude e incertezas.

Muito se tem escrito sobre o exagero ou não das medidas de prevenção determinadas, principalmente, pelos municípios de Felgueiras e Lousada e sobre o estigma que estes cidadãos têm sofrido pelo simples facto de serem residentes nestes dois concelhos.

Face a este pequeno intróito impõe-se esclarecer que resolvi apresentar este pequeno texto de opinião por dois grandes motivos: sou lousadense e sou jurista que enaltece, sempre e acima de tudo, os direitos humanos.

Comecemos por aqui. Toda e qualquer construção relativa aos direitos humanos levará, necessariamente, à dignidade da pessoa humana. Aliás, é a dignidade humana que leva ao surgimento dos direitos humanos que mais não são do que a sua manifestação. Um conjunto de direitos comuns a todo o ser humano sem lhes retirar a autonomia e a individualidade, o seu livre arbítrio. A dignidade humana constitui o mecanismo através do qual o conteúdo igualitário e universalista da moral é consagrado em corpo de lei e legitimador das suas soluções.

A dignidade humana impõe, como se vê, o respeito pelas escolhas e opções de cada um, mas desde que essas escolhas possam ser toleradas e admitidas ainda no respeito por essa mesma condição. Assim, os direitos humanos funcionam como trunfos que o Homem pode usar contra o arbítrio e o poder político de cada Estado.

O que vivemos nos dias que correm é o reforço desta característica dos direitos humanos e da dignidade humana. Reforço operado pela restrição de alguns direitos fundamentais em prol da protecção de outros.

A restrição das nossas liberdades é legitima desde que necessária, adequada e proporcional à protecção de outros direitos fundamentais. Sendo a restrição excepcional importa, consequentemente, o reforço da regra.

A limitação de acesso a certos lugares, de contactar com certas pessoas, de permanecer em determinados sítios é, de facto, uma restrição aos nossos direitos humanos. Pois, a liberdade e a sociabilidade têm nos ser garantidas pois, só assim, viver, significar viver dignamente.

Mas nada em direito é absoluto. Há limitações que se impõem e legitimam democraticamente. Desde que resultem em prol da protecção de um interesse maior ou pelo menos igual.

O grave perigo que este novo vírus importa obriga a que se antecipe a tutela destes, também, direitos humanos: a saúde pública e o acesso aos serviços públicos de tratamento e recuperação.

Sem alarmismos ou exageros, a realidade tem demonstrado muito seriamente, um perigo muito concreto a nível mundial e nacional que periga, ou até mesmo, poderá lesar efectivamente a saúde pública.

As medidas de prevenção e contingência aplicadas a nível nacional, mas principalmente nestes dois concelhos onde o foco da infecção terá operado, funcionam, em nossa opinião, como a mensagem que se espera que as penas propaguem quando aplicadas.

Refiro-me não à necessidade de punição, mas antes ao carácter pedagógico que as penas pretendem alcançar.

Mais do que castigar, as penas funcionam como forma de transmitir confiança à comunidade, evitando a prática de futuros crimes. A academicamente apelidada “prevenção geral positiva”.

Com isto pretendemos dizer que os cidadãos destes concelhos não foram condenados, não estão doentes, mas as medidas de contingências que têm cumprido, devem servir como mensagem a nível nacional de que com elas se pretende prevenir um mal maior. Com elas tenta-se de facto evitar a propagação da doença e também transmitir uma mensagem de pacificação, dando nota que estamos todos atentos e aplicamos medidas para essa contenção. 

Bem sabemos que o medo tolda o entendimento. Medo mais do que compreensível e legítimo. Contudo, não podemos permitir que este acontecimento, que nos afecta a todos, inverta tudo aquilo que nos caracteriza. A tolerância a solidariedade e a união deve, hoje, mais do que nunca prevalecer. 

Por isso somos pessoas e não autómatos. Por isso somos merecedores de dignidade quer estejamos doentes, em contacto com doentes, residentes em lugares onde existem os anteriores, ou em lugares sem notícia ou foco de infecção.

Nestes momentos mais difíceis devemos primar e reforçar a união, nem que seja por força de algo que nos é inerente a todos e mesmo que queiramos não podemos nunca renunciar: a nossa dignidade enquanto pessoas.

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