Aulas suspensas, centros comerciais e restaurantes limitados, lares sem visitas

Será um país a meio gás aquele que se antevê para as próximas semanas, depois de o Governo decidir suspender todas as actividades lectivas com base em conselho internacional e contrariando o Conselho Nacional de Saúde Pública. Os partidos apoiam as medidas mas avisaram que se devia ir mais longe – porque “mais vale prevenir do que remediar”.

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“É uma luta pela nossa própria sobrevivência e pela protecção da vida dos portugueses”: apelando à responsabilidade de todos, o Governo decretou um país a meio gás para as próximas semanas. Todas as “actividades lectivas presenciais” serão suspensas desde as creches ao ensino superior a partir de segunda-feira e pelo menos até dia 9 de Abril; discotecas e bares serão fechados; a frequência de centros comerciais e outros serviços públicos será limitada para evitar excesso de pessoas no mesmo espaço; a lotação máxima dos restaurantes será reduzida em um terço; a suspensão de visitas aos lares fica estendida a todo o país; e o desembarque de passageiros de navios só será possível para portugueses.

As medidas restritivas que António Costa anunciou ao país pelas 21h30 foram apoiadas pelos partidos que o primeiro-ministro recebeu em maratona desde a hora do almoço até à sua comunicação, mas também houve quem pedisse mais. Em 15 minutos de declaração, além de anunciar as restrições, o chefe do Governo esforçou-se em vincar a gravidade e excepcionalidade da situação e a necessidade de um trabalho conjunto de todos – Estado e cidadãos – para conter a pandemia colocando ênfase na responsabilidade de cada um e no seu dever de se proteger a si e ao resto da sociedade. Porque esta é uma ameaça que só um país unido consegue enfrentar, salientou.

“O primeiro dever de cada uma e de cada um de nós é cuidar do próximo. É evitar que, por negligência, por desconhecimento, ponhamos em risco a saúde do outro. Cada um de nós julga estar numa situação saudável, mas a verdade é que nenhum de nós sabe se não é portador de um vírus que, involuntariamente, está a passar a outro”, salientou António Costa durante a sua declaração de 15 minutos, tendo os ministros da Saúde, Trabalho e Economia na sala.

O PÚBLICO apurou que em algumas reuniões com os partidos o primeiro-ministro se mostrou preocupado com a falta de informação e de conhecimento técnico sobre o vírus - que tem levado a posições contraditórias até de médicos e especialistas - e com a imprevisibilidade da pandemia. 

A suspensão das aulas para os cerca de dois milhões de estudantes e crianças do pré-escolar é a medida que mais implicações terá na vida dos portugueses – muitos pais terão que ficar em casa - e aquela que mais controvérsia gerou nos últimos dias. E também trouxe instabilidade às escolas, com algumas fechadas, muitas em funcionamento, e os directores com visões diferentes.

A decisão do Governo acaba por contrariar o parecer do Conselho Nacional de Saúde Pública apenas 24 horas depois deste ter defendido que não deviam ser encerradas as escolas. Na quarta-feira à noite a ministra da Saúde, sentada ao lado do presidente do conselho, argumentava que o Governo seguia criteriosamente as orientações das entidades de saúde e agora António Costa também fez questão de vincar que adopta as medidas “com base no melhor conhecimento científico e consenso técnico”.

Mas não foi o saber português que, afinal, vingou: o primeiro-ministro justificou a decisão sobre a suspensão das aulas com o parecer do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças que “inequivocamente recomenda a todos os Estados-membros o encerramento de estabelecimentos de ensino de todos os graus”. “Não havendo uma consolidação do entendimento técnico da matéria, manda o princípio da prudência determinar a suspensão de todas as actividades lectivas presenciais” durante quatro semanas. Na véspera da Páscoa irá avaliar-se como fazer com os prazos do terceiro período – se a “evolução pandémica tem uma evolução mais favorável” ou se se impõem alternativas às aulas presenciais, acrescentou o chefe do Governo.

“O encerramento das escolas não se deve ao facto de serem um local de contaminação, mas de serem um local de contacto, que favorece a contaminação”, vincou.

Para compensar os pais que precisem ficar em casa com os filhos haverá compensação salarial para quem tem filhos menores de 12 anos que não estejam doentes através de um “mecanismo especial para assegurar a remuneração parcial”. Também haverá reforço da capacidade do SNS e apoios às empresas, somou Costa.

As medidas restritivas haviam sido decididas na primeira parte da reunião do Conselho de Ministros que decorreu de manhã e durou três horas. Depois, o primeiro-ministro apresentou-as e explicou-as aos partidos com assento parlamentar, do PSD à Iniciativa Liberal, a par dos ministros com as tutelas mais directas – Saúde, Trabalho, Economia. Com estas reuniões muito atrasadas – algumas duraram mais de uma hora quando a previsão era apenas de meia -, António Costa terminou a tarde num esquema de speed dating: andava de sala em sala onde PAN, PEV, Chega e IL estavam com outros membros do Governo, a vincar a posição política do Governo.

“Não há partidos do vírus e antivírus”

“Devemos desejar o melhor mas estar preparados para o pior.” O apelo de Costa foi uma repetição da ideia que tentou passar de manhã: as restrições devem ser entendidas como uma responsabilidade de todos em evitar o contacto social. As imagens de praias cheias como em dias de férias não são para repetir. O problema agora é de sensibilização. “Temos que ter a noção de que a pandemia ainda não atingiu o pico na Europa, está em evolução. Espera-se que nas próximas semanas haja mais doentes contaminados, provavelmente com consequências mais graves para a vida e a saúde de todos e o surto pode até ser mais duradouro que o previsto.”

Por isso, apelou: “A maior responsabilidade é cuidar do outro, tomar medidas de higiene para evitar a contaminação do outro.” Mais: “Devemos limitar o máximo possível as deslocações, os contactos e o convívio social.” A mesma ideia foi deixada por todos os líderes partidários ouvidos em São Bento. A quem, aliás, António Costa elogiou a “forma construtiva e empenhada” – “Não há partidos do vírus e partidos anti-vírus; é uma luta pela nossa própria sobrevivência, pela protecção da saúde dos portugueses.”

Todos tiveram, igualmente, palavras de reconhecimento e elogio para com os profissionais de saúde. Mas também reclamaram melhores e mais meios humanos e técnicos para os serviços de saúde com urgência, exigindo que o sector possa ficar fora da lei dos compromissos para se poderem comprar os materiais essenciais para a prevenção e o combate à pandemia, como fez o ecologista José Luís Ferreira. Catarina Martins (BE) e João Cotrim Figueiredo (IL) defenderam mesmo o recurso a técnicos, meios e até instalações dos sectores privado e social caso seja necessário.

Governo devia ir mais longe

Todos os partidos disseram concordar com as medidas que iam ser anunciadas pelo Governo – e fugiram a adiantá-las -, e alguns até defenderam que se fosse mais longe nas restrições, mas “sem alarmismos”. Uma ideia quase consensual foi a de um gabinete de crise multissectorial. Rui Rio foi o primeiro a admitir ser preferível desde já “medidas menos simpáticas” de restrição de movimentos alegando que Portugal não deve cometer os mesmos erros de Itália – com quem, aliás, devia ter “aprendido”. “Mais vale prevenir que remediar”, aconselhou Rui Rio. As medidas devem, no entanto, ser “bem explicadas e preparadas”, avisou o Bloco.

A exigência por escolas e serviços públicos e culturais não essenciais fechados, fronteiras controladas e voos suspensos veio do CDS, do Chega e da IL. O PAN somou-lhes a proibição aos navios de cruzeiro para aportarem – e deixou já apoio ao Governo para um orçamento rectificativo que seja necessário.

Jerónimo de Sousa não saiu descansado da reunião e avisou que as medidas para o momento actual “nunca serão suficientes” e serão ainda necessárias outras para o depois da pandemia. Da mesma insuficiência se queixou a IL e o Chega – de medidas e de um “sentimento de urgência” que parecia tardar em tomar conta da sociedade e do Governo. André Ventura desejou que “não seja tarde demais” para impor restrições, embora admitisse que “o que for feito já vem tarde”, insistiu na demissão da directora-geral da Saúde e desafiou Marcelo Rebelo de Sousa, que se auto-isolou em quarentena, a “reassumir funções”.

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