Coronavírus: fechar discotecas, deixar outros estabelecimentos nocturnos abertos? “Se é para fechar, é fechar tudo”

Governo decretou o fecho de “discotecas e similares” até segunda-feira e espera que este fim-de-semana ninguém se lembre de ir beber e dançar. A noite pode apagar-se mas ainda assim algumas luzes vão acender-se. No sector, há quem discorde e defenda “recolher obrigatório”.

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"Recolher obrigatório"? claudia andrade (foto de Arquivo)

“Não há dúvida alguma que a decisão do Governo teve de ser tomada e não estamos contra ela”, diz José Gouveia, que dirige a Associação de Discotecas de Lisboa (ADL) e é manager do JNcQUOI Club, na Avenida da Liberdade, que, tal como outros espaços da marca, não esperou pelas ordens do Governo para fechar portas e anunciou o fecho antes.

“Muitos sítios já estavam a fechar voluntariamente”, relembra, salientando que a medida deveria ser mesmo de “paragem total”, não deixando de fora nenhuns espaços similares a bares. “Tudo o que é estabelecimento nocturno deve fechar”, defende, “ou ter ‘recolher obrigatório’, talvez pelas 22h”, que impeça grandes fluxos de clientes. 

O encerramento das discotecas é bem recebido pela associação face ao momento que se vive. “Todos na juventude achamos que somos imortais. Como esses jovens que foram para a praia de Carcavelos. Havendo uma discoteca aberta iriam para lá e iriam pôr em perigo toda a gente.”

A opinião é partilhada por Hilário Castro, proprietário do restaurante Alfaia, da garrafeira homónima e de alojamento turístico no Bairro Alto, em Lisboa. Presidente da associação de comerciantes local (ACBA), defende também as medidas tomadas. “Isto é um problema de saúde pública”, refere, defendendo: “Só as discotecas fechadas?”. Acha pouco: “É a noite, há muito álcool.” Especialmente no bairro que é o epicentro da noite lisboeta.

“Ainda ontem fizemos uma visita pelo bairro e vemos grupos de jovens em convívio pelas ruas. Há falta de cuidado de muita gente e não ajuda nada a uma situação destas”, adianta. “Se querem algum efeito é encerrar tudo, a medida devia ser para todos os estabelecimentos nocturnos”, diz o empresário, que também considera boa ideia a alternativa do ‘"ecolher obrigatório”, para tudo fechar cedo. Entre a segurança e quebras que podem chegar a 70% nos seus negócios, Castro pondera, ele próprio, encerrar os seus espaços já este fim-de-semana. “É um ano perdido.”

Pelo Porto, os “grandes”, os nomes de referência, as discotecas, já fecharam ou fecham agora, garante António Fonseca, dirigente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto. “Os que estiverem abertos serão pequenos espaços, com os seus ‘5m2’, mas o meu receio é que haja um aproveitamento de alguns estabelecimentos, que poderão ter um elevado fluxo à custa dos que fecharam”. “Se é para fechar, é fechar tudo.”

O Governo decretou o encerramento de “estabelecimentos de restauração e de bebidas que disponham de salas ou de espaços destinados a dança”, mas de fora ficam os espaços mais pequenos ou os “similares”, aqueles que estão entre “restaurante por um lado, bar por outro”. “Pela segurança pública e pela segurança deles”, as portas devem fechar. “O empresário consciente da sua responsabilidade tem de a assumir”, “há demasiada gente na rua à noite”.

Vários espaços que poderiam ficar abertos pensaram como o dirigente associativo. Como o bar portuense Ferro. “Vamos todos sofrer um bocado. Não vai ser bom para ninguém”, diz Sérgio Ribeiro. Estava a pensar “manter a cafetaria” ou “abrir só à tarde o terraço”, mas a realidade da pandemia obrigou-o a mudar de planos. Caiu em si e fechou tudo. “Dei férias ao pessoal”, diz, referindo-se a uma “equipa compreensiva” e lembrando que financeiramente a casa não conseguirá “estar parada muito tempo”.

Também Eurico Rocha, do Pipa Velha, acaba de fechar portas - pela primeira vez em 39 anos de vida da casa. “Nunca fechei. Nem para férias fechava”, diz, agarrado às arcas e à despensa de um dos espaços mais antigos da Baixa portuense. Fechou as portas na quinta-feira, ainda antes das 20h. Estavam a limpar e a levar o que sobra para casa. “São doze pessoas que vivem destes dois negócios”, lamenta, apontando o restaurante Idiota, na porta em frente, na Rua das Oliveiras.

Quanto a números, ainda não se sabe com rigor mas, como adianta António Fonseca, o “negócio caiu muito”, sabendo-se que, no sector, “este fim-de-semana já vai haver desempregados”. O responsável da Associação dos Bares da Zona Histórica do Porto, numa opinião partilhada também pelos responsáveis da associação de discotecas lisboetas e da dos comerciantes do Bairro Alto, só espera é que o “impacto económico seja realmente acautelado pelo Governo”. 

Os três representantes associativos coincidem na necessidade de terem “garantias por parte do Governo”. “O prejuízo é garantido, agora é tentar conter”, diz José Gouveia, da ADL. “Mas, obviamente, ninguém quer lucrar com esta situação”. Só “sobreviver”. “Podem ser semanas, podem ser meses, ninguém sabe.”

A Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) já veio dizer que as medidas de apoio anunciadas “ainda não são aquelas que são adequadas àquilo que estamos a viver”, disse à Lusa a secretária-geral, Ana Jacinto.

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