Coronavírus: de Lousada para o resto do país

De Lousada para o resto do país, a nossa vida parece caminhar na corda bamba da decisão que pode vir no dia de amanhã. Em Lousada, esperamos que o resto do país não chegue a ter de esperar pelo dia de amanhã para se perceber que não pode haver cordas bambas na saúde pública.

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Reuters/YARA NARDI

Partiremos, desde logo, com a noção de que escrevo a partir de Lousada. O concelho já foi conhecido por variadas razões, mas a mais importante, neste preciso momento, é o facto de ser um dos primeiros a ser afectado pelo novo coronavírus.

Desde esta segunda-feira, 9 de Março, que vivemos na expectativa da descoberta do próximo caso, embora a realidade seja que a maioria deles faça parte de uma pequena rede de ligações do paciente zero. E, sejamos honestos, estatisticamente, a maioria de nós não conhece essa pessoa. Nem sequer alguém que conheça essa pessoa. Vivemos apenas numa realidade em que, eventualmente, por algum acaso do destino, nos cruzaremos com alguém que conhece alguém que esteve com o paciente zero.

Mas este facto não nos deve demover de sermos realistas e, acima de tudo, exemplos no campo da prevenção. Claro que ninguém se deve auto-isolar única e exclusivamente por ser de Lousada. Mas também ninguém deve deixar de tomar todas as precauções necessárias para diminuir a probabilidade de ser a próxima vítima ou o próximo transportador.

Em Lousada, à moda de Ornatos Violeta, as ruas estão desertas. Quase desertas. Os serviços públicos estão encerrados, os locais privados de maior concentração estão encerrados — exceptuam-se, se calhar de forma exclusiva, os hipermercados — e os negócios e empresas que permanecem abertos consideram todos os dias a possibilidade de encerrarem temporariamente.

Em Lousada, pergunta-se todos os dias se a nossa vida deve parar. E ninguém tem a resposta certa. E também não serei eu a dá-la. Primeiro, porque saúde pública não é a minha área. Segundo, porque a nível do governo central também ainda não existe uma posição suficientemente fortificada.

A maior parte das universidades da zona Norte do país pediu aos alunos de Lousada e Felgueiras para não se deslocarem às mesmas. Em larga medida, esta decisão para ser discriminatória para estes alunos. Em pequena medida, parece uma decisão quase lógica de saúde pública. E em pequena medida porque, de facto, poderiam ter melhorado as capacidades de garantia da saúde pública nas suas instalações, ao invés de tentarem ostracizar dois concelhos sem dar qualquer garantia aos seus estudantes. A Universidade do Porto, que havia decidido não suspender por completo as suas actividades, por não encontrar qualquer razão de saúde pública que o justificasse, reverteu a sua posição e afinal já o fez.

No país, frente à visão de uma pandemia que pode ser já, minimamente, controlada, a população enche as praias à vista da primeira máxima acima dos 18 graus.

Isto serve apenas para demonstrar, de forma clara, que o país não está preparado para lidar com uma situação a esta escala. Não está, nem tem de estar. Não era previsível que algo como isto pudesse acontecer. Contudo, está na hora de começar a planear a forma como se guiará a actuação dos vários órgãos e corpos de gestão do país. Acima de tudo, está na hora de começar a informar a população sobre a forma de actuar, para lá da actualização diária consoante a evolução localizada do número de casos.

De Lousada para o resto do país, a nossa vida parece caminhar na corda bamba da decisão que pode vir no dia de amanhã. Em Lousada, esperamos que o resto do país não chegue a ter de esperar pelo dia de amanhã para se perceber que não pode haver cordas bambas na saúde pública.

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