Reitor da Universidade de Lisboa diz que destruição da placa da Casa Ventura Terra foi “um acidente”

António Cruz Serra diz que placa estava a ser removida do prédio classificado para servir de molde para a reprodução de réplicas. Associação Ventura Terra quer avançar com um processo-crime. Fórum Cidadania Lx e grupo municipal do CDS pedem intervenção do Património.

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Prédio foi construído em 1903 e doado em testamento pelo arquitecto Miguel Ventura Terra às Escolas de Belas-Artes de Lisboa e do Porto dr

Depois de a Universidade de Lisboa (UL) ter dito que a placa evocativa da Casa Ventura Terra não tinha sido destruída, mas sim “retirada”, o reitor desta instituição, António Cruz Serra, admitiu que a sua destruição foi um “acidente”. Segundo explicou esta quinta-feira, numa curta conversa com o PÚBLICO, a universidade solicitou a retirada da placa para que fossem reproduzidos mais dois exemplares, que seriam entregues à Universidade do Porto e à futura residência de estudantes Ventura Terra.

A placa evocativa, colocada no prédio após a morte do arquitecto Miguel Ventura Terra (1866-1919), e onde estava inscrita a sua vontade de que o prédio gerasse rendimento que fosse atribuído aos alunos carenciados que quisessem estudar as belas-artes, foi retirada da fachada do n.º 57 da Rua Alexandre Herculano na tarde de quarta-feira. Quando o PÚBLICO lá chegou, por volta das 18h, a pedra já estava desfeita no chão. 

“Nós levámos uma grua para tirar a placa. Quando a placa estava quase no chão, deixaram-na cair. Alguma coisa correu mal”, justificou Cruz Serra. Segundo disse o reitor, “a placa consegue-se reconstituir” e voltará a figurar na fachada do edifício. “A original vai ser recuperada, talvez pelos nossos alunos de belas-artes”, adiantou. Já as duas réplicas que a UL quer fazer serão colocadas uma na Universidade do Porto e outra na futura residência de estudantes Miguel Ventura Terra, no pólo da Ajuda. A primeira fase da residência esta já concluída e inaugurada a prevê-se para breve o início da segunda, com a construção de um outro bloco com capacidade para mais 120 camas. Estas novas camas serão usadas “para cumprir o legado do arquitecto Ventura Terra”, disse Cruz Serra. Depois de concluída receberá então o nome do arquitecto. 

A retirada da placa ganhou repercussão pelo facto de o edifício ter sido vendido em hasta pública, a meados de Janeiro em hasta pública. No passado mês de Dezembro, quando se soube que o prédio, que além de ser propriedade da UL (representante das entidades proprietárias), pertencia também à Universidade do Porto e à Faculdade de Arquitectura da UL, ia ser alienado, logo surgiram críticas contra a decisão, uma vez que iria contra a vontade deixada em testamento pelo seu arquitecto, que não queria que o edifício fosse vendido. 

A UL estimava então que o valor de mercado do prédio de quatro pisos, e uma área bruta de construção de 2089 metros quadrados, deveria rondar os 3,7 milhões de euros. As propostas deveriam ser apresentadas, em envelope fechado, até 15 de Janeiro, data em que se realizaria a hasta pública. Cruz Serra confirmou que a hasta pública se realizou, mesmo depois de, no dia anterior à data da hasta, a Associação Ventura Terra ter apresentado junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, um procedimento cautelar para a suspender a sua realização. A acção pedia ainda que, caso a hasta se realizasse, deveria ser decretada a “a suspensão dos seus efeitos até à outorga definitiva da escritura pública e até à decisão na acção principal onde se decidirá sobre a existência do direito das entidades adjudicantes para procederem à alienação do imóvel que o testador legou sob a condição de ‘que muito desejo que não seja vendido'”.

Questionado sobre que empresa ganhou a hasta pública, Cruz Serra disse não se recordar do nome. A assessoria da Reitoria também ainda não respondeu. 

“Nós temos um testamento autenticado, que foi muito difícil de descobrir, em que ele foi muito claro quando disse que era seu desejo que o prédio nunca fosse vendido”, disse Alda Sarri Terra, sobrinha-bisneta do arquitecto ao PÚBLICO, adiantando ainda que a acção apresentada está ainda a ser analisada em tribunal. 

Sobre a retirada da placa, a descendente do arquitecto diz que a Associação Ventura Terra vai avançar com um processo-crime contra quem “a mandou retirar”. “É um atentado contra o património. Isto de tirar a placa dá-me ideia que é para mostrar uma força ‘isto é nosso'”, observou.

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Bloco de Esquerda questiona Ministra da Cultura 

Ventura Terra era 13º filho de uma família de parcos recursos e passou muitos sacrifícios para tirar o curso”, notou Alda Terra, enaltecendo o trabalho do arquitecto que fez “um mundo em Lisboa”: dos liceus Camões, Pedro Nunes e Maria Amália, à Casa dos Viscondes de Valmor, ao Palacete Mendonça, ou mesmo à Maternidade Alfredo da Costa.

Além disso, este edifício, construído em 1903, recebeu nesse ano o Prémio Valmor, distinção essa impressa na sua fachada. Em 1983, foi classificado como Imóvel de Interesse Municipal, tendo sido, em 2006, reclassificado como Imóvel de Interesse Público. Perante a retirada da placa e tendo em conta estas classificações patrimoniais, o Fórum Cidadania Lx já solicitou ao novo director-geral do Património Cultural, Bernardo Alabaça, que inicie um processo de “contra-ordenação aos responsáveis por esta acção de destruição de património classificado”.

Também o grupo municipal do CDS questionou a Direcção-geral do Património Cultural (DGPC) sobre se, enquanto entidade pública responsável pelo património, foi informada da retirada da placa, se deu parecer favorável e se acompanhou a retirada da mesma. “Estamos a falar do património legado por Ventura Terra, que é de todos os portugueses e que o Estado deve preservar, independentemente do destino que se pretenda dar ao imóvel. Lisboa padece de inúmeros casos de desrespeito pelo património. Não queremos que este seja mais um”, notou o líder da bancada centrista em comunicado. 

Também o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda questionou, esta sexta-feira, a ministra da Cultura sobre o sucedido. As deputadas Alexandra Vieira, Beatriz Gomes Dias e Maria Manuel Rola, querem saber se vai a DGPC abrir uma contra-ordenação à Universidade de Lisboa no seguimento da destruição da placa do edifício Ventura Terra, se esta entidade foi notificada da venda do edifício e se emitiu parecer sobre a mesma. 

As bloquistas levantam ainda outra questão sobre o espólio do escultor Lagoa Henriques que, supostamente, está armazenado no prédio. 

O PÚBLICO questionou ainda tanto a Câmara de Lisboa, como a DGPC sobre a retirada da placa, mas ainda não obteve resposta. 

Notícia actualizada às 17h53: Acrescenta questão do grupo parlamentar do BE à ministra da Cultura

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