Paulo Portas critica a democracia digital e quem governa “para ter likes

O antigo líder centrista abriu o segundo dia do encontro entre “as direitas” e reencontrou-se com o seu antigo parceiro de Governo, o social-democrata Pedro Passos Coelho, que assistiu ao discurso na primeira fila da plateia.

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O segundo dia do encontro das forças da direita arrancou com Paulo Portas Nuno Ferreira Santos

“Está muito na moda esta coisa de governar para os likes [gostos]. Governar às vezes gera likes e outras vezes não gera. Governar é fazer o que se deve.” A sentença foi proferida pelo antigo governante Paulo Portas, durante um discurso que olhou menos para a realidade portuguesa e mais para além-fronteiras. No segundo e último dia da II convenção do Movimento Europa e Liberdade (MEL), o ex-líder do CDS foi responsável por enterrar a “tragédia” e marcar o arranque da “refundação” da direita e olhou para “os desafios da nova globalização, da desglobalização e de Portugal”. Para um auditório com menos cadeiras vazias do que no dia anterior (e com Pedro Passos Coelho na primeira fila), Paulo Portas deixou uma nota curiosa com o pretexto de uma análise à competitividade económica à escala mundial: “Podemos sair do mundo, mas o mundo não fica à nossa espera. Quando lá chegarmos, já alguém nos ultrapassou”.

Numa análise aos desafios económicos trazidos pela globalização que se prolongou durante uma hora, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou que o mundo enfrenta hoje uma “agressiva reorganização económica, sem que tenha ainda encontrado uma reorganização política”.

Para a política nacional, deixou alguns recados, ainda que discretos. Portas lamentou “os perigos” trazidos pela transformação da “democracia clássica em democracia digital” e que empurram “o moderado para radical”. À digitalização da democracia somou os “perigos do politicamente correcto”, um dos temas debatidos no primeiro dia do encontro. O ex-líder do CDS queixou-se dos “reitores morais” e vaticinou as consequências trazidas. “A maior fábrica de trumpistas é o politicamente correcto”, declarou, para um auditório que anuía com a cabeça. Para o antigo governante, “as vanguardas digitais” comportam-se “como vanguardas revolucionárias e querem impor agendas radicalizadas aos políticos”.

Pelo meio, Paulo Portas deixou vários apontamentos, especialmente voltados às relações comerciais entre a Europa, Estados Unidos e China. Contra “algumas vozes mais distraídas”, Portas sublinhou que os desafios da relação entre os EUA e a China serão “uma questão para qualquer presidente norte-americano” e não um problema de presidentes. “Não é coisa de um presidente que faz tweets”, declarou. “Os EUA são uma potência incumbente e a China a potência desafiante” o que coloca à Europa a necessidade de garantir a sua relevância, avaliou Portas. Depois, lançou um apelo ao Movimento Europa e Liberdade: “Por todo o lado existe uma tentação de contrariar a globalização, mas será que devemos ser nós a ceder?”

“É muito difícil fazer o caminho mais difícil e é muito sedutor fazer o mais fácil. Mas o mais fácil não leva a lado nenhum”, avisou.

Esquerda e direita devem trabalhar na imigração

Ainda sobre os desafios da globalização, Portas reconheceu que a imigração é “um ponto desagradável” de discutir na Europa, mas necessário, uma vez que a realidade demográfica envelhecida do continente não permite um “cenário fraudulento e demagógico” de pensar que é possível existir “imigração zero”. A necessidade de financiar o Estado social para um continente cada vez mais grisalho, diz, “não é um problema de direita nem de esquerda, é um problema matemático”. E isso exige uma política imigratória europeia consensual entre a “direita moderada” e a “esquerda moderada” para se conseguir uma política de imigração europeia. Os europeus devem por isso ser capazes de uma política “dignificante” e independente de chantagens e tráficos alheios, numa referência implícita à Turquia.

Mas para Portas, isso deverá implicar exigências e a “adesão a um conjunto mínimo e valores” comuns aos europeus, como o respeito pelo papel da mulher ou da igualdade de género ou ainda a recusa da violência com base em crenças religiosas.

Feitas as críticas, afirmou que “dizer que o mundo é mais injusto do que há 40 anos desafia as leis da racionalidade básica”. Portas vincou que existem “900 milhões de pessoas fora da pobreza extrema” e que hoje há mais condições de vida.

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