Think for yourself

Aquela célebre frase em que Einstein define a insanidade como fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes também é aplicável a alguns momentos na política. Um dos mais óbvios é aquele que se vive atualmente no partido democrata americano.

Algumas publicações que sempre li com gosto como o New York Times ou o Economist, surpreendentemente, deixaram-se influenciar mais rapidamente do que alguma vez imaginei. Os critérios jornalísticos mais sérios e imparciais ficaram em casa antes, durante e depois do último super tuesday. Por cá, assistiu-se a uma série de opiniões de alguns bons jornalistas e analistas que se limitaram a replicar muito do que era a opinião transversal e de sentido único dessas publicações e da CNN. Curiosamente, esses mesmos que em 2016 menosprezaram a força do eleitorado de Trump e quiseram acreditar que uma das filhas do establishment do partido democrata facilmente daria conta do recado.

O que mudou e se aprendeu desde então? Na realidade muito pouco e custa a crer que Donald Trump não capitalize tudo a seu favor, caso Biden leve mesmo a nomeação.

Ainda antes da super tuesday, quando dois candidatos democratas desistiram em prol da candidatura de Joe Biden e mais recentemente Michael Bloomberg, a análise interessadamente certeira de Trump foi de tiro cirúrgico na génese do Partido Democrata. É fácil supor que se amanhã Bernie Sanders ganhar a nomeação, o presidente americano crie uma outra linha distinta de fake arguments, caracterizando-o como uma espécie de comunista e apreciador de regimes totalitários da década de 60 ou 70. Para mim, pouco expectável era essa mesma caracterização pelos que aqui descrevi. Tudo em prol do business as usual, do candidato mainstream e politicamente mais fácil para os democratas.

Algumas das propostas de Bernie Sanders são incongruentes e fiz questão de as referenciar noutro artigo que escrevi há cerca de quinze dias. Não seria o meu candidato ideal, mas mês após mês o desenlace só reforça a convicção que é o único com chances reais de fazer frente ao atual presidente. O incómodo não é em vão. Aliás, todo esse incómodo fez com que a revista Economist recuasse a 1980, desconsiderando-o por ter feito campanha num partido dos trabalhadores socialistas. Imagine se a linha de análise fosse a mesma para a maioria dos políticos europeus ou portugueses e este revisionismo, descontextualizado, se tornasse decisivo para qualquer avaliação atual. Mesmo os tão badalados elogios ao regime de Fidel Castro não o desviaram do essencial que é o de uma ditadura ter substituído outra. Com tudo o de pior que isso significou para o povo cubano. Como o mundo não é a preto e branco, elogiou o sistema de saúde entretanto criado e os altos índices de literacia das pessoas naquele país. Algo que não é comum neste tipo de regimes. Será tudo isto assim tão descabido? Paralelamente, pretende que os trabalhadores das multinacionais americanas tenham sempre uma quota parte das empresas onde trabalham. É verdade que a percentagem que propõe para as ações individuais de cada um é exagerada, mas a ideia de base está longe de o ser. Nem nos EUA, nem na Europa onde muitos empresários e gestores já a analisam pelo sucesso que significa a nível de produtividade, accountability, e equidade nos países escandinavos que a implementaram.

Ao nosso contexto, Bernie Sanders situa-se algures entre a social democracia e o socialismo. Tanto cá como em qualquer país do norte da Europa, seria considerado um moderado progressista. Em matéria de política externa, só equaciona a intervenção militar americana com o apoio do congresso e uma diplomacia que tem como pilares os direitos humanos, a justiça económica e democrática. Tal como Obama, defende o diálogo entre todos os países, mesmo com os que se opõem ao modelo norte-americano. Um regresso ao acordo do clima de Paris, ambicionando ver o país ao lado da ciência e liderando o combate às alterações climáticas. Já Biden que também é um pouco de tudo isto, representa um regresso à candidatura de Hillary Clinton. Aparentemente sem a combatividade desta. Viu-se momentaneamente fortalecido por ter sido oito anos vice-presidente de Obama. Com isso, capitalizou grande parte do eleitorado negro que tanto peso tem no país. Mas será que esse mesmo eleitorado não votaria Bernie Sanders numa general election? As sondagens continuam a dizer que sim e favorecem Sanders no confronto direto com Trump. Também não será de estranhar que as debilidades de Biden na questão ucraniana sejam equiparáveis às de Hillary ontem e façam eco ao longo de todos os debates. O que me causa maior estranheza é que ainda haja quem julgue que com uma economia fortalecida e um desemprego a níveis surpreendentemente baixos, a verdadeira revolução de vencer Trump em novembro se pode fazer sem uma proposta de medidas estruturais, bastando um tipo decente e simpático a opô-lo. 

Das duas uma: ou não retiveram mesmo nada da máquina trituradora que existe no campo republicano há mais de quatro anos ou ignoram muito do que aconteceu noutros países europeus. Para eles e conforme foi sugerido por outro autor num artigo de tema distinto, recomendo que vejam o debate televisivo entre Le Pen e Macron em 2017. Analisem a agressividade acutilante de Macron no combate às ideias e ao extremismo, multipliquem a exigência por cinquenta, e assim ficam com uma pequena noção do que será preciso para vencer o tribalismo que Trump trouxe à política americana. Depois é tirar as conclusões se o lugar assenta melhor ao sleepy Joe ou ao Bernie Sanders.

Por mais que o New York Times queira vender ballet, só por aqui é que o Partido Democrata pode aspirar a uma surpresa em Novembro.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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