Entre marido e mulher, os filhos metem a colher

Carmen Garcia, enfermeira de profissão e mãe de dois rapazes, escreve com humor sobre as alegrias e os desaires da maternidade na página de Facebook A Mãe Imperfeita. É uma das Pares do Ímpar.

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"Quando o descanso não é suficiente, as discussões são mais frequentes, mais intensas, dizemos mais coisas que não queremos, ouvimos mais coisas que nos magoam" Jude Beck/Unsplash

Acho que durante toda a minha vida tive presente a ideia, também muito por influência das novelas brasileiras em voga nos anos 1990, que os filhos não salvam os casamentos. A verdade é que, mergulhando no universo da Globo, perdi a conta à quantidade de personagens femininas que fingiam uma gravidez ou engravidavam para conseguirem segurar o protagonista. Acontece que o desfecho era sempre o mesmo: elas acabavam sozinhas (ou com os filhos) enquanto eles iam viver apaixonados com outra mulher que, por acaso, calhava sempre ser o verdadeiro amor das suas vidas.

Este lado da história sempre foi, por isso, muito claro para mim: engravidar para salvar um casamento é o prefácio de uma desgraça anunciada, que pode ser contada em mais ou menos capítulos, mas que inevitavelmente vai acabar com uma separação. Aquilo que eu nunca tinha percebido até ser mãe foi o quanto os casamentos são postos à prova quando os filhos entram em cena. Ou em casa, vá.

Sabem aquela célebre expressão do “entre marido e mulher não se mete a colher”? Pois fiquem sabendo que os filhos metem a colher, o colherão, o prato fundo, o prato raso, o garfinho e a faca do pão (escusam de agradecer esta referência ao cancioneiro do Panda e dos Caricas que, com um bocadinho de sorte, vai fazer loop na vossa mente pelo resto do dia).

Agora muito a sério, duvido que haja uma prova de fogo tão grande para um casal, mesmo para aqueles que respiravam saúde antes e durante a gravidez, como o nascimento de um filho. Em primeiro lugar, a adaptação ao papel de pais que, podem dizer o que quiserem, leva tempo. Gerir e equilibrar aquilo que éramos antes, com aquilo que temos de ser agora, não é sempre um processo linear e não acontece de um dia para o outro. Muitas vezes, o que acontece é que o papel de pais passa para um lugar tão prioritário e destacado que temos até dificuldade em lembrar-nos que a maternidade/paternidade não é tudo aquilo que somos.

E depois vem o cansaço, as noites mal dormidas, as mamas, os biberões, as cólicas, os choros sem motivo aparente… Tudo coisas aborrecidas separadamente mas que, juntas, têm a capacidade de formar um cocktail absolutamente explosivo para o sistema nervoso de qualquer um. Quando o descanso não é suficiente, as discussões são mais frequentes, mais intensas, dizemos mais coisas que não queremos, ouvimos mais coisas que nos magoam. O cansaço não perdoa. Nem um bocadinho.

Até o sexo, que antigamente era natural e fácil, de repente se torna em mais uma operação de elevada complexidade logística. Primeiro porque há muitas mulheres que sentem desconforto físico quando reiniciam a sua vida sexual; segundo porque, a muitos casais, incomoda a ideia de terem um bebé a dormir no mesmo quarto; terceiro porque os bebés acordam e choram nos momentos mais inesperados (e os mais velhinhos têm sonhos maus que não escolhem hora)… Enfim, acho que podia continuar a enumerar motivos até chegar à casa das dezenas mas esse está longe de ser o meu objectivo. Até porque, se têm filhos, saberão exactamente a que me refiro.

Ah, só uma coisinha, se estão a ler este texto com a esperança de que agora, no final, eu indique a receita para a felicidade conjugal eterna, assim uma espécie de “como fazer o seu casamento sobreviver à chegada dos filhos”, lamento defraudar as vossas expectativas. Honestamente, não faço a menor ideia sobre qual a fórmula mágica para manter a engrenagem sempre oleada e em funcionamento. O que sei é que há dias melhores e depois há dias de merda em que a vontade de virar as costas e bater com a porta é grande. Acho que todos passamos por isso (e se, neste momento, estão a pensar “eu cá nunca passei”, muitos parabéns para vocês, saibam que são uns verdadeiros sortudos).

Mas há outra coisa que eu também sei: vai ficando um bocadinho mais fácil e, mesmo que nem sempre estejamos a remar para o mesmo lado, o barco é capaz de se manter à superfície. Acho que, quando a tempestade passar, ficaremos orgulhosos por termos permanecido a bordo.

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