Ministra da Cultura diz que Vila Galé “desiste” de exibir Colecção Rainer Daehnhardt

Grupo hoteleiro recebeu as condições de empréstimo no início deste mês, que incluem a existência de um espaço próprio dedicado à exposição. Polémica levou o PCP a pedir a presença da ministra no Parlamento.

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Nuno Ferreira Santos

A ministra da Cultura, Graça Fonseca, anunciou na Assembleia da República que o grupo Vila Galé “desiste” de exibir na unidade hoteleira que vai abrir em Alter do Chão esta semana as 42 peças da Colecção Rainer Daehnhardt que lhe iriam ser cedidas, por decisão do Governo, pelo Museu Nacional dos Coches.

O Ministério da Cultura, no entanto, não desistiu de mostrar parte da colecção em Alter do Chão e está a trabalhar para a expor em breve, anunciou também Graça Fonseca. A intenção é criar um núcleo museológico dedicado ao cavalo no concelho, num projecto com um investimento de 1,5 milhões de euros e que está a ser desenvolvido em colaboração com a câmara municipal. Segundo a ministra, o trabalho expositivo terá uma curadoria do Museu dos Coches e incluirá, muito brevemente, uma exposição temporária no Museu Casa do Álamo. “Aquilo que se está a fazer é aquilo que muitos museus nacionais fazem, a descentralização das suas colecções”, disse a ministra na comissão parlamentar de Cultura, numa audição requerida pelo grupo parlamentar do PCP.

A bancada comunista quis esclarecimentos sobre a anunciada cedência de obras de arte da Colecção Rainer Daehnhardt à empresa Vila Galé, autorizada através de um despacho assinado pela secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, Ângela Ferreira, que mereceu a contestação de várias personalidades e associações do património e a oposição da directora do Museu Nacional dos Coches, Silvana Bessone. A cedência estava prevista no âmbito do Programa Revive, destinado a manter e rentabilizar o património do Estado através de concessões a privados, sobretudo para fins turísticos, e foi anunciada como a primeira de outras que a tutela planeia fazer

“O Governo tem um, e apenas um, objectivo: devolver à fruição pública em Alter do Chão peças de uma colecção que sempre esteve em Alter do Chão, até à sua incorporação nas reservas do Museu dos Coches, em Lisboa. Devolver à fruição pública não significa desincorporar estas peças da colecção do Museu dos Coches, pelo contrário. Significa descentralizar parte da colecção deste museu”, disse ainda a ministra, acrescentado que parte da colecção esteve durante 16 anos, entre 2002 e 2018, em exposição em Alter do Chão.

“Porque não se procurou em primeiro lugar esta solução?”, perguntou à ministra a deputada Ana Mesquita, do PCP. “É o Revive que está na origem deste problema todo, a forma como está a ser pensada a rentabilização do património edificado. E esta lógica não foi negada aqui: o Governo vai ou não optar por uma linha mercantil? Qual é a sua visão sobre o património cultural? Ficamos muito contentes que as peças não vão para os privados, mas em relação a tudo o resto o que é que vai acontecer?”, acrescentou a deputada.

Segundo a ministra, o futuro núcleo museológico será pensado em consonância com o projecto Casas Altas, da Companhia das Lezírias, que inclui também peças da mesma colecção. “Não se trata de mercantilização [do património], mas de a colecção poder ser visitada, algo que não tem acontecido nos últimos dois anos porque a colecção estava em Lisboa em reserva.”

As dez condições

Foi no dia 3 de Março que Bernardo Alabaça, o novo responsável pela Direcção Geral do Património Cultural (DGPC), que tutela o Museu dos Coches, informou o Grupo Vila Galé sobre as condições a que o empréstimo deveria obedecer, salientando que têm por base a Lei-Quadro dos Museus Portugueses e as normas internas da instituição. São dez as condições, citou a ministra, sendo a primeira a “existência de espaço/sala especificamente destinado à exposição temporária”. Com acesso gratuito, essa sala deve igualmente dispor de “sistema de climatização e controle da humidade, sistema de iluminação que permita ajuste de níveis de intensidade, câmaras de videovigilância e vigilância presencial”, entre outras condições.

“Não obstante a polémica, a DGPC prosseguiu o trabalho e cumpriu com o que foi determinado. Identificou as condições exigidas necessárias à cedência. A qualquer cedência. Respondeu, como lhe competia, ao requerente da cedência. Perante as condições exigidas, o requerente informou a DGPC que desiste do pedido de cedência”, comentou a ministra, sublinhando várias vezes que o grupo hoteleiro esteve um ano à espera de resposta.

Contactado pelo PÚBLICO, o Grupo Vila Galé comunicou, através da assessoria de imprensa, que não ia comentar as razões da desistência.

Luís Raposo “muito contente”

Na primeira audição da tarde, que deveria incidir apenas na recente nomeação do gestor Bernardo Alabaça como director-geral do património cultural, Luís Raposo começou por manifestar satisfação por se ter ultrapassado o problema levantado com a ordem de cedência da Colecção Rainer Daehnhardt ao grupo Vila Galé. “Fico muito contente por o problema já não existir”, disse o presidente do Conselho Internacional de Museus da Europa (ICOM Europa), notando, no entanto, que a questão nem sequer deveria ter-se colocado.

Inquirido primeiramente pela deputada social-democrata Filipa Roseta, cujo grupo parlamentar tinha requerido a audição na comissão parlamentar de Cultura deste especialista em património, Luís Raposo lamentou que o Governo “não tenha apresentado linhas políticas substantivas” para o sector do património cultural, e justificou as reservas e as críticas expressas – primeiro, a título pessoal; depois, enquanto presidente do ICOM Europa – à nomeação de Bernardo Alabaça.

Respondendo às questões sucessivamente levantadas pelos diferentes partidos da oposição parlamentar representados nesta comissão (de que o CDS esteve ausente), o arqueólogo e professor voltou a criticar o perfil curricular do novo director-geral do património cultural, considerando-o “desadequado”.

Ressalvando que nunca esteve em causa a pessoa, nem a sua competência profissional, Luís Raposo lembrou que o facto de o seu currículo ter sido maioritariamente construído na área da gestão, das infra-estruturas e das finanças justifica as dúvidas sobre a bondade da sua nomeação para a DGPC. “É como se se escolhesse um gestor da ProToiro para dirigir uma associação de protecção dos animais”, ou “um advogado especialista em contabilidade criativa para director-geral dos impostos”, comparou o presidente do ICOM.

Uma desadequação que seria também referida, logo no início da audição seguinte, pelo presidente da Associação Portuguesa de Museologia (Apom), João Neto, que considerou mesmo “um insulto” a nomeação de um gestor da área das finanças para o património cultural, em desfavor de profissionais ligados à museologia. “Qualquer pessoa de bom senso tinha de recusar essa nomeação”, realçou João Neto.

Os trabalhos da comissão prosseguiram com a audição do próprio director-geral do património e, de novo, da ministra Graça Fonseca.

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