Quatro meses de Governo minoritário que parecem quatro anos

Até agora, o Governo tem perdido pequenas batalhas, mas ainda não perdeu a guerra, dirá o primeiro-ministro.

O que o Presidente da República quis dizer na quinta-feira, quando discursou no 30.º aniversário do PÚBLICO, foi que o Governo leva apenas quatro meses de mandato, mas já parecem quatro anos. Marcelo Rebelo de Sousa disse-o sabiamente, falando em clima de fim de ciclo, sublinhando que quando as pessoas “já estão cansadas, gastas, nervosas, tensas, encontram soluções caso a caso, em cima da hora, no último segundo, arranjam soluções de improviso ou de remendo”. Se isto não é uma descrição, ao seu estilo, do início da legislatura, não sei o que será.

A verdade é que, desde Outubro, o Governo geriu a crise do IVA da electricidade; negociou um Orçamento do Estado tentando não desvirtuar a proposta inicial; testemunhou uma coligação negativa que aprovou a suspensão das obras da linha circular do metro de Lisboa; governou em duodécimos; viu o Parlamento (incluindo deputados do próprio partido) rejeitar os nomes acordados para o Conselho Económico e Social (Correia de Campos), para o Tribunal Constitucional (Vitalino Canas e Clemente Lima) e para o Conselho Superior da Magistratura (sete vogais e três suplentes); e, mais recentemente, assistiu à revogação de um decreto-lei para rever o regime das parcerias público-privadas, na sequência de uma apreciação parlamentar. 

Como se estes obstáculos não fossem suficientes, o executivo parece longe de encontrar uma solução para o novo aeroporto do Montijo — pelo menos uma que agrade à maioria. E ainda tem de digerir as notícias que dão como certa uma remodelação governamental após a saída de Mário Centeno da equipa de ministros, rumo ao Banco de Portugal. Não é uma questão de somenos.

Até agora, o Governo tem perdido pequenas batalhas, mas ainda não perdeu a guerra, dirá o primeiro-ministro. E com razão. Se os calendários não forem antecipados — Marcelo também alertou para isso — faltam mais de três anos e meio para essa guerra das urnas, em 2023. 

Até lá, a dificuldade do Governo minoritário será fazer acordos pontuais. Sobretudo porque as pontes que existiam têm sido queimadas (de um lado ou do outro) e as que podiam existir têm sido rejeitadas com violência. Ainda ontem, nas páginas deste jornal, o primeiro-ministro criticava o líder do maior partido da oposição por ser alguém que se adapta em função do ambiente político e dos títulos de jornais. “Rui Rio não tem pensamento nenhum sobre qualquer matéria de fundo da sociedade portuguesa — ou se o tem esconde-o”, acrescentava António Costa. 

Os dois líderes, Rio e Costa, estão hoje ainda mais afastados do que na campanha. O PS ensaia todos os dias a tese de que a culpa do que não avança é do PSD. E o PSD, por seu turno, desistiu de oferecer cachimbos de paz ao Governo. Acresce que à esquerda, a proximidade também já foi muito maior. Como dizia Pedro Filipe Soares no final da semana: “O tempo dos acordos já passou.”

Que futuro para um Governo minoritário que tem 108 deputados? António Costa insiste que só há uma solução (e que é a sua preferida): a “geringonça” 2.0. Será?

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