Mulheres do Sul chega a disco e volta aos palcos a partir de domingo

Espectáculo idealizado por Adriana Queiroz, Mulheres do Sul é lançado em disco no Dia da Mulher e volta aos palcos, a começar por Lagoa, este domingo, às 17h. Com ela e Luanda Cozetti (vozes), estarão Javier Patino (guitarra) e Norton Daiello (baixo eléctrico).

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Adriana Queiroz e Luanda Cozetti DANIEL ROCHA

A estreia foi em Novembro de 2018, no Teatro Ibérico, em Lisboa. Idealizado por Adriana Queiroz, cantora que é também actriz e foi destacada bailarina, Mulheres do Sul celebrava as vozes de “mulheres que fizeram do canto a sua arma”, recorrendo ao repertório de cinco grandes cantoras sul-americanas: Chavela Vargas, Elis Regina, Maria Bethânia, Mercedes Sosa e Violeta Parra. Nessa altura, o espectáculo contava com três vozes, Adriana Queiroz, Lara Li e Luanda Cozetti, e uma guitarra, a de Javier Patino, um músico de Jerez de La Frontera com provas dadas no flamenco. E assim se manteve quando subiu a outros palcos, como em Bragança, onde o público ovacionou de pé a prestação e a presença de Lara Li.

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A capa do disco

Mas agora que chegou a disco e vai regressar aos palcos (o disco é lançado neste Dia da Mulher, domingo 8 de Março, num espectáculo no Auditório Municipal Carlos do Carmo, em Lagoa, Algarve, às 17h), Mulheres do Sul tem algumas alterações no elenco. Mantém as vozes de Adriana e Luanda, acrescentando mais instrumentistas: a par de Javier Patino, estão, nas guitarras, também José Peixoto e Pedro Jóia, juntando-se-lhes Norton Daiello no baixo eléctrico e Filipe Caneca no acordeão. Em Lagoa, estarão dois: Javier e Norton.

O lado teatral mantém-se, como refere Adriana Queiroz ao PÚBLICO. “Eu queria que no disco se sentisse a teatralidade do espectáculo, incentivando as pessoas a irem vê-lo.” No disco, há ligeiras alterações: “As duas únicas músicas retiradas, além das introduções instrumentais [como Construção, de Chico Buarque, que se mantém no espectáculo, tocada em guitarra e baixo eléctrico], foram Asa branca e Cruz de olvido, porque só fazem sentido dramaturgicamente e são músicas de passagem, de transição, no espectáculo.”

Já o disco alinha os temas, treze ao todo, por esta sequência: Los hermanos (de Atahualpa Yupanqui), Gente humilde (Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Garoto), Maria Tepozteca (Chavela Vargas), Gracias a la vida (Violeta Parra), Debaixo d’água (Arnaldo Antunes), Como nossos pais (Belchior), Balderrama (Manuel José Castilla e Gustavo Laguizámon), La maza (Silvio Rodriguez), O bêbado e a equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc), Alfonsina y el mar (Ariel Ramirez e Felix Luna), Todo cambia (Julio Numhauser), Velha roupa colorida (Belchior) e Cartomante (Ivan Lins e Vítor Martins).

“Trazer estas músicas para hoje”

“No espectáculo, Velha roupa colorida é o bis, depois de acabarmos com Todo cambia. Já o disco, onde se mantém essa sequência, termina com Cartomante. Aquilo que eu quis, e a Luanda ajudou-me muito nisso, foi trazer todas estas músicas para hoje. Não a sonoridade, mas a mensagem. O que é que estas canções dizem hoje, que é exactamente o mesmo que diziam antes. Talvez o Como nossos pais pudesse chamar-se Como nossos avós, porque de resto, infelizmente, todas estas músicas estão mais do que actuais. E esta necessidade da mensagem foi o que mais se modificou: a necessidade de as dizer, mais do que as cantar.”

A intenção inicial manteve-se, ganhando ainda mais sentido com a evolução da actualidade internacional: “Quando construí este espectáculo, fi-lo para o dedicar às mulheres que fizeram do canto a sua arma. Mas o que aconteceu no Brasil [a vitória de Bolsonaro], tornou-o extremamente biográfico para a Luanda. Não foi minha intenção, mas de facto o Gente humilde fala de um subúrbio igual àquele onde a Luanda foi posta depois de os pais serem presos, tinha ela um ano e meio. Por isso ela canta-o, no espectáculo, de frente para o público, enquanto eu canto de costas, porque é o meu passado, o passado de pessoas que emigravam para o Brasil – e esses subúrbios eram muito habitados por portugueses.” Tudo isso influi emotivamente na interpretação: “A Luanda é uma bola de fogo em palco, mas está muito habituada a esconder-se. Só que desta vez foi obrigada a deixar os sentimentos irem por aí fora. E isso nota-se no Maria Tepozteca e n’O bêbado e a equilibrista.”

Norton Daiello, músico brasileiro que com Luanda Cozetti forma o duo Couple Coffee, assume agora no espectáculo um papel de relevo. E também marcado pela emotividade: “No espectáculo, todo o bloco do Brasil é feito pelo Norton. E há uma entrega dele, por causa da actual situação no Brasil, que se reverte numa coisa absolutamente pungente.”

Sons e canções com dedicatória

O disco começou a ser gravado em Outubro de 2019 no Atlântico Blue. Mas um dos temas, Alfonsina y el mar, é o registo da gravação feita há três anos, ao vivo, no Auditório do CAL (Centro de Artes de Lisboa), por Pedro Jóia e Adriana Queiroz para o videoclipe de lançamento. E manteve-se tal qual, por ser, simbolicamente, a “pedra inicial do projecto”. Às guitarras de Pedro Jóia (só nesta faixa) e de Javier Patino (em metade do disco) juntou-se depois uma outra, nos temas Los hermanos e Balderrama, como recorda Adriana Queiroz: “Chamámos o José Peixoto, que transforma logo o Los hermanos numa morna e o Balderrama numa coisa muito medieval. Fico fascinada, com o patamar destes músicos.” O resultado final tem ainda uma outra contribuição, que Adriana considera essencial: “Este disco tem a qualidade que tem por causa do [técnico de som] António Pinheiro da Silva. Ele não quis assinar a produção comigo, mas foi absolutamente essencial no resultado.”

O disco reproduz, num desdobrável, a imagem gráfica de um rosto com a América do Sul na cabeça, usada no cartaz original. E tem, a par da ficha, uma dedicatória: “Este trabalho é dedicado às nossas famílias que lutaram pela nossa liberdade.” Adriana explica: “Dedicámo-lo aos nossos familiares que foram torturados e presos. Eu dedico-o aos meus primos Sara Amâncio (torturada e presa antes do 25 de Abril), Bruno da Ponte (editor que morreu em Dezembro de 2018) e Clara de Barros Queiroz. E a Luanda dedica-o aos pais, Wanda Cozetti e Alípio de Freitas, que foram presos [em uma madrugada de Maio de 1970”, escreveu ela] e torturados no Brasil.”

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