A falta que nos faz pensar!

Pensar é questionar e interrogar. E, como tal, interpela-nos a ousar desafiar o estabelecido, o adquirido, o padronizado, esta espécie de fast-food intelectual que nos envolve.

Com uma experiência de vinte e cinco anos de ensino, vinte e três dos quais no ensino superior, este é um pensamento que me ocorre com cada vez mais frequência: informam-nos muito e pensamos pouco!

Pretende-se que se passe com o saber o mesmo que se passou com a alimentação, com a moda e, no geral, com a própria vida – que decorra em forma de consumo fast: de deglutição fácil, totalmente padronizado e de rápida obsolescência. Ora estas características são, em si mesmas, a negação própria do saber.

Porque o saber, o verdadeiro saber, exige tempo: o tempo de observar a realidade, aferindo-lhe os ângulos e as áreas de sombra; de apreender a realidade, na sua complexidade multiforme; de formular hipóteses acerca dessa complexidade; de, enfim, produzir conhecimento acerca da realidade observada.

E o saber é perene, ou deve sê-lo, mesmo quando se desactualiza.

Porque a actualização de um saber é, sempre, a refutação daquele que o precedeu, ou seja, implica um pressuposto de continuidade que é, justamente, aquilo que nos dias de hoje parece faltar-nos.

Porque tudo nos é apresentado como produto de um imediato, a ser consumido no imediato, sob pena de ficarmos (nós e aquilo que somos e que sabemos) datados, ultrapassados, em resumo, fora-de-moda. E este é um imediato que, verdadeiramente, nos assalta e, assaltando-nos, nos aniquila, neutralizando-nos o pensamento.

Assalta-nos nas notícias, que se sucedem e se contradizem, sem que tenhamos tempo para, sequer, reflectir acerca dos seus potenciais significados.

Assalta-nos nos milhões de artigos científicos, nas mais diversas áreas que, ainda antes de serem publicados, já estão condenados à irrelevância (e não falo aqui da sua qualidade ou utilidade, mas apenas do facto de, simplesmente, não conseguirem chegar a ser actuais).

Assalta-nos nas redes sociais, com as amizades que não passam de ilusões; com a pornografia do vazio com que se enchem as vidas; com o azedume e o ódio que encerramos em nós e a que tão facilmente damos vazão, teclando-os, a esse azedume e a esse ódio, barricados na segurança de um ecrã.

Assalta-nos num ensino que, ele próprio, despreza a continuidade, ora obrigando os alunos a verdadeiros saltos acrobáticos espácio-temporais, em que a lógica de sucessão dos factos históricos, sociais, económicos, culturais e de progresso científico é totalmente negligenciada; ora engendrando programas que são uma espécie de perverso jogo da glória, cujos dados mais não fazem do que condenar a permanentes regressos à casa de partida.

No primeiro caso, suscitam nos alunos a estranheza da incoerência e da ausência de sentido, no segundo caso, suscitam-lhes o fastídio da inutilidade e, em ambos os casos, favorecem a desmotivação para pensar.

E pensar é questionar e interrogar. E, como tal, interpela-nos a ousar desafiar o estabelecido, o adquirido, o padronizado, esta espécie de fast-food intelectual que nos envolve.

Mas o pensamento requer tempo e requer espaço, não o espaço físico do que nos rodeia, mas o espaço interior do silêncio e da maturação. E, hoje, não nos são concedidos nem um nem o outro.

Por isso, quando encontramos alunos, entrados com elevadas médias no ensino superior, que resumem as mudanças geradas pela Revolução Industrial, à “utilização da máquina a vapor”; ou a crise de 1929 e a Grande Depressão, a uma “queda da Bolsa”; e que jamais ouviram falar na Noite de Cristal ou no Movimento dos Direitos Civis, não nos podemos admirar com o fácil agigantamento de todos os tipos de populismo e de extremismo.

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