A surpreendente, dramática e bela Bósnia-Herzegovina

O leitor Vítor Martins partilha a sua experiência pelos Balcãs.

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Entrámos na Bósnia-Herzegovina numa manhã soalheira vindos de Split, na Croácia. 

As estradas são boas até chegar à fronteira. Depois tudo modifica. Mal entrámos na Bósnia, deparámo-nos logo com esta estrada durante cerca de vinte minutos. Cedo percebemos que já existia no país uma grande dinâmica na reconstrução.

Era o país que mais nos fascinava conhecer nesta zona, mas também aquele de que mais tínhamos receio. Desde logo por ser um país que esteve em guerra civil há 25 anos.

Passados vinte minutos, estávamos num verdadeiro paraíso, as cascatas naturais de Kravice. Era por aqui que íamos passar o resto do dia, já com 36 graus. Quando descemos, a temperatura baixou drasticamente.

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Nesta reserva natural existe um restaurante e vários lugares para podermos ficar a relaxar. Estava a ser um dia fantástico, mas foi aqui que nos aconteceu mais um episódio de assustar. O Pedro não parava quieto e havia imensa gente no parque, principalmente depois de almoço. Depois de ter saído de perto de nós dezenas de vezes, houve uma vez que decidimos deixá-lo ir e ir atrás dele sem que ele se apercebesse.

Por incrível que pareça, esta criança com dois anos e meio andou durante cerca de cinco minutos pelo meio das pessoas sem qualquer problema. Só passados uns três minutos começou a ficar incomodado por não nos ver, mas seguiu. Depois de cinco minutos e de forma impressionante ter conseguido ir em direcção ao lugar por onde tínhamos entrado, ao começar a subir as escadas, sucumbiu ao sentimento de perda e pela primeira vez começou a chorar. Logo chegámos perto dele e o confortámos. Passados cinco minutos já estava a fugir novamente.

O dia já ia longo, de seguida iríamos para Mostar, uma cidade linda e com inúmeras marcas de guerra. Ao chegarmos, vimos alguns prédios com marcas de guerra, notámos que existe muita preocupação em reconstruir, mas também em não se esquecerem da história.

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Os prédios são marcas fortes, mas as pessoas são histórias arrepiantes! Shamir, um rapaz com 42 anos, que recebeu-nos de braços abertos. Tinha um prédio de três andares que era do seu pai, onde habita com a família, e já com uma visão à frente decidiu investir nos outros para alugar. Nós ficámos no último andar, com uma vista incrível sobre a cidade. Não podíamos estar mais bem alojados.

Shamir quis ir connosco até ao centro, e pelo caminho contou-nos histórias incríveis da guerra. Ele tinha 15 anos quando ela começou, viu partir o seu pai, viu valas comuns e familiares e amigos a serem empurrados para lá… Chorei à frente dele, mas disse-lhe que tinha muito orgulho em estar em sua casa e perceber que, apesar de tanto sofrimento, tinha conseguido superar, dentro dos possíveis, e tinha constituído família. Ele é um sobrevivente da guerra – em Mostar estima-se que tenham morrido mais de 70.000 pessoas, num lugar onde vivem agora cerca de 125.000.

Depois destas histórias dramáticas de vida, decidimos voltar a casa, já pela noite. Comprámos cerveja fresca de Mostar e ficámos a usufruir das excelentes condições do apartamento.

Na manhã seguinte fomos visitar o centro da cidade de Mostar. Depois de almoço teríamos de partir em direcção ao Montenegro.

Esta cidade é famosa pela sua ponte velha do século XVI, reconstruída em 2004 após a sua destruição em 1993, devido à guerra. A reconstrução e reabertura da ponte é, para os habitantes de Mostar,  um sinal de esperança para o futuro de uma cidade dividida entre croatas e muçulmanos que têm tido uma relação conturbada ao longo dos tempos. A ponte velha e o centro histórico de Mostar foram classificados como Património Mundial da UNESCO em 2005.

A fome já apertava, fomos almoçar mesmo no centro histórico, ao lado da ponte. Já de barriga composta voltámos ao nosso apartamento, encontrando pelo caminho inúmeras marcas de guerra.

Saímos de Mostar, teríamos de enfrentar cerca de 200km até chegarmos a Kotor, já no Montenegro, onde iríamos pernoitar. No caminho, vimos paisagens deslumbrantes, mas foi já perto da fronteira que vivemos mais um momento único nesta passagem pela Bósnia. Chegámos a uma das muitas localidades por onde já tínhamos passado e percebemos que havia uma festa perto de uma igreja ortodoxa.

Decidi parar e ir até lá. Mal cheguei, as pessoas, apercebendo-se que não era dali, fizeram-me gestos para entrar e cumprimentavam-me. Entrei, tirei umas fotografias, e fiquei ali a sentir o ambiente. Os mais velhos não falavam inglês, mas os mais novos falavam e diziam-me: seja bem-vindo à nossa terra.

Fiquei ali a viver aquele momento mais de vinte minutos. Eram crianças e adolescentes que dançavam e cantavam cantares típicos do seu país. A festa terminava e eu saía dali com o coração cheio.

No resto do nosso caminho pela Bósnia ficámos surpreendidos pela paisagem a cada quilómetro. Num ápice, a fronteira era já ali. A Bósnia e as suas pessoas ficaram eternamente nos nossos corações.

Até um dia Bósnia-Herzegovina!

Vítor Martins

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