Os municípios não são barrigas de aluguer

O recuo do PS na descentralização não se trata de bom senso, mas antes da confirmação da incompetência na concretização de um processo atabalhoado, sem critério e feito à revelia das autarquias.

O Governo optou pelo adiamento da descentralização de competências de escolas e centros de saúde para os municípios.

Este recuo por parte do Partido Socialista (PS) não se trata de bom senso, mas antes da confirmação da incompetência na concretização de um processo atabalhoado, sem critério e feito à revelia das autarquias. O Governo não recua por impossibilidade de concretização ou dúvidas técnicas, porque essas já estavam feridas de morte, mas antes por oportunismo político: é necessário recordar que estamos com eleições autárquicas à porta.

A descentralização será uma oportunidade perdida se apenas estiver em causa a gestão do timing de implantação. A reestruturação dos serviços públicos da esfera do Estado central para o poder local compreende uma capacitação não apenas do seu envelope financeiro, que sempre é esquecido, como de uma verdadeira estratégia de concretização dessas transferências de acordo com a região e o concelho que se propõe a receber. Uma delegação de competências no interior do país não é igual no litoral. As assimetrias territoriais obedecem a um olhar político e técnico diferenciado com o objectivo da coesão territorial e de uma melhor resposta às necessidades das populações. As autarquias não podem apenas ser gestoras de condomínios, de infra-estruturas e de recursos humanos. O poder local ambiciona influenciar, propor e criar políticas públicas de acordo com a sua realidade e visão para o seu território. A autonomia de processos tem que ser uma realidade para que a descentralização seja uma verdadeira conquista de ganho para as pessoas e para as comunidades.

Mais uma vez assistimos a um flop governativo, em que se gere o País com promessas e com o belo prazer típico dos socialistas. O municipalismo não pode ser usado como barriga de aluguer de um Estado imperialista que em vez de delegar impõe.

Não podemos aceitar um Estado que abdica das suas responsabilidades, impondo a outros, sem que com isso garanta a sustentabilidade e o funcionamento dos serviços públicos. Sempre defendemos maiores competências para os municípios, porque acreditamos na proximidade como factor de maior eficiência e eficácia na missão do Estado, contudo é inaceitável o modelo optado para a sua implantação, sem critério nem diálogo. O PS sabia, desde o primeiro momento, que iria recuar pois não teria base de apoio junto dos autarcas. Esta será a forma de abrir o caminho à regionalização, mais uma vez num processo munido de pouca transparência e nas costas do povo português.

Sugerir correcção
Comentar