Qual é a cor da camisola lá de casa?

Os grupos de WhatsApp dos pais são tal e qual os dos filhos, com mais ou menos maturidade à mistura.

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Nas escolas onde não é possível usar telemóvel nas aulas, usa-se sub-repticiamente, na mesma Rachit Tank/Unsplash

Maria foi apanhada pela directora de turma com uma publicação no grupo de WhatsApp de um grupo da turma onde comentava de forma incorrecta e ofensiva a atitude de uma colega com quem, pelos vistos, não tem as melhores das relações. Foi apenas a ponta do fio para logo pôr a descoberto um grupo bem maior do que se fazia prever de adolescentes que riam, comentavam e aumentavam o assunto com a continuação de publicações de outros comentários e memes desagradáveis e risíveis da dita colega. Qual não foi o espanto quando a directora de turma verificou que as publicações eram feitas durante a madrugada! E pior foi quando juntou as peças todas do puzzle e percebeu que a sua fonte de informação, um adulto muito próximo da criança agredida, não queria que se soubesse pois as crianças são todas amigas, mas a escola tem que fazer alguma coisa…

Muitas destas situações ficam por aqui mesmo, o que é pena. Outras chegam em forma de queixa ou de pedido de ajuda à Polícia Judiciária, que acolhe, ouve, dialoga e faz formação nas escolas. Algumas escolas, poucas, tem estruturas de internet segura e formação antibullying. Mas como vamos conseguir terminar com um problema que sempre existiu, mas que se tem intensificado e por vários canais, tomando várias formas?

Nas escolas onde não é possível usar telemóvel nas aulas, usa-se sub-repticiamente, na mesma. Filma-se, publica-se, comenta-se — tudo na presença do professor sem que ele veja (ou às vezes fingindo não ver, para não ter mais problemas do que aqueles que já lhe chegam dentro do ambiente de sala de aula e possível gestão da mesma).

Dizem os psicólogos que comportamento gera comportamento. E grupos WhatsApp de pais? Onde se comentam todos os professores, as decisões da escola, onde se põem em causa as avaliações, os instrumentos de avaliação aplicados aos alunos, as visitas de estudo efectuadas, aqueles que as acompanham, os recreios, a falta de vigilância ou a má qualidade da mesma… Enfim: tudo serve para um comentário, ou chamada de atenção para um pormenor que dará um bom assunto, apesar de não ser tema que exista, nem que interfira com ninguém. Até fotografias de colaboradores da escola e de espaços se publicam nesses grupos.

Não basta a escola preparar cidadãos completos para o futuro que já começou hoje. Estamos um bocadinho cansados deste discurso idealista sobre a escola. O qual não deixa de ser verdade, e belo na sua essência ideológica, filosófica e de intenções. Mas não chega perante o estado actual. As crianças e jovens fazem o que vêem fazer. Mexem no que está à mão, experimentam o que devem e o que não devem, sabendo ou não no que estão a mexer.

Como todos sabemos, ou devíamos saber, ensinamos de forma muito mais eficaz com o exemplo que damos, ou seja, com o modo como acomodamos as nossas acções com as nossas pregações. A coerência de vida é um instrumento de aprendizagem bastante consistente, mais do que muita conversa oca que não ressoa em ninguém. Os exemplos podem ser muitos: como se fomenta o gosto pela leitura? Lendo. Mostrando aos filhos que os pais lêem e que se entusiasmam com a leitura. Como se tem boas maneiras à mesa? Jantando juntos e mostrando como se come com boas maneiras. Como se responde de forma educada? Saindo com os filhos e promovendo encontros sociais onde eles estejam e possam aprender com o exemplo dos pais e dos outros adultos com quem os pais se relacionam. Agir de modo que, em qualquer lado ou em qualquer circunstância, não nos detenhamos nas palavras e nas acções de forma a ter que pensar antes de agir. Somos o que dizemos e dizemos o que fazemos. Seja à mesa ou em grupos de WhatsApp.

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Daria Nepriakhina/Unsplash

Se os próprios pais criticam os grupos de WhatsApp das crianças, normalmente apenas quando os visados são os seus filhos, por que têm entre eles o mesmo tipo de grupos com as mesmas intenções? Fazem o mesmo que as crianças nos seus grupos de WhatsApp. E depois ainda ouvimos: onde está o mal? Não há padrão ou norma, não há nada de mal, nem de bem.

Dizer mal e ridicularizar os colegas não tem mal nenhum, até porque somos todos amigos. Onde está o mal? Qual a noção de amizade que temos? E respeito? São estes os amigos que temos, que queremos ter, que nos fazem sofrer? Falamos cada vez mais em direitos humanos, mas também os desrespeitamos cada vez mais. Os grupos de WhatsApp dos pais são tal e qual os dos filhos, com mais ou menos maturidade à mistura.

A T-shirt cor-de-rosa tornou-se bandeira antibullying. Símbolo de aceitação da diferença e da inclusão. Qual é a cor da camisola lá de casa?

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