O acesso à universidade num Portugal que grita por pessoas diferentes

A sociedade que tanto gosta de dizer que os jovens são pouco participativos e egoístas é a mesma sociedade que não vê que estamos presos num sistema que nos ensina apenas a pensar em nós mesmos e que nos diz, desde o berço, que o importante é alcançar a média 20.

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Já passamos do meio do ano lectivo e, mais ao menos por esta altura, milhares de estudantes do 12.º ano têm em mãos a missão de começar a escolher o curso e a respectiva universidade onde irão prosseguir os seus estudos. É na hora de tomar esta decisão que muitos se sentem limitados nas suas escolhas, visto que não poderão ir para a instituição e para o curso que tanto sonharam porque a média interna e média dos exames nacionais não o permite. É nesse preciso momento que surgem as dúvidas: será que este número me define enquanto aluno? Será que todo o meu percurso enquanto estudante vale apenas isto? E depois chegam à triste conclusão que sim. Sim, o acesso ao ensino superior e a lei de bases do sistema educativo estão assim estruturadas.

E eu, conjuntamente com alguns milhares de estudantes, também me questiono sobre isso, tentando entender o porquê de o acesso ao ensino superior ignorar um conjunto de factores presentes num aluno.

Por exemplo, imaginemos que um aluno, durante o seu trajecto, foi presidente da sua associação de estudantes, servindo, assim, os seus colegas, dedicou-se ao voluntariado, chamando para si o dever de servir a comunidade ou até foi fundador de uma júnior empresa, revelando desde cedo o seu espírito empreendedor. Na hora de este mesmo aluno se candidatar ao ensino superior, nada disso vai ser considerado relevante — vai ser avaliado como tantos outros através da fórmula mágica. E aí voltam as perguntas: quem foi o estudante brilhante? O aluno com média de 20 valores ou o aluno que melhorou a realidade onde estava inserido, tentando fazer assim algo diferente para melhor?

A sociedade que tanto gosta de dizer que os jovens são pouco solidários, pouco participativos e até egoístas é a mesma sociedade que não vê que estamos presos num sistema que nos ensina apenas a pensar em nós mesmos e que nos diz, desde o berço, que o importante é alcançar a média 20. Entretanto, são milhares os que esbarram nesta muralha, os que ficam para trás neste sistema que não nota os notáveis, os que, embora não sejam usados como exemplo, conseguem à sua escala feitos incríveis.

Fora destas lógicas estão os recursos humanos das empresas que pedem uma nova geração com novas capacidades, apregoando que as soft skills são a arma mais poderosa no recrutamento, e a sociedade que precisa mais do que nunca de incentivar e cativar cidadãos participativos.

Com isto, não estou de forma alguma a tirar mérito aos alunos que, com muito trabalho e esforço, conseguem as altas médias, nem a afirmar que as notas não deveriam ser um critério de admissão. Apenas acho que a média não deveria ser critério único e que existe todo um conjunto de outros tópicos que não podem ser menosprezados sob pena de se continuar a perpetuar por terras lusitanas este secular problema de captação e retenção de talento.

Todos dizem que o ensino superior tem que se adaptar para poder entrar nesta carruagem rumo ao futuro, mas poucas são as instituições que estão preparadas para essa mudança e menos ainda são aquelas que têm coragem para a exigir e executar.

Se queremos discutir seriamente o assunto do ensino superior, temos de começar a casa pelos alicerces e, antes de falar de financiamento, de conteúdos programáticos ou discutir se é público ou privado, temos que falar no acesso. Neste país que tanto precisa dos outsiders, dos fora da caixa, neste Portugal com problemas antigos a precisar de solucionadores diferentes.

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