Eleições americanas: o mundo em suspense

Não foi por serem esquizofrénicos que os americanos em 2008 elegeram Obama e oito anos depois Trump; foi porque estão profundamente divididos e porque uma parte significativa da classe média branca perdeu a confiança nas elites liberais, não só por razões económicas, mas por não partilhar os seus valores.

Os democratas estão a escolher o candidato que, em Novembro, em nome de nós todos, terá de impedir a catástrofe. Hitchcock não se importaria de fazer o filme das eleições americanas de 2020.

Se, no primeiro mandato, Trump fez regredir a democracia no Mundo, um segundo mandato representaria um abalo sísmico autocrático comparável, nos seus efeitos sistémicos, embora de sinal contrário, à vaga democrática que se seguiu ao colapso da União Soviética.

Com Trump na Casa Branca até 2024, a desordem internacional seria a regra e as Nações Unidas continuariam paralisadas, em modo de sobrevivência.

Um exemplo do mundo que pode aí vir, o do regresso às guerras entre Estados, são os confrontos militares na Síria entre a Turquia, o regime de Assad e a Rússia. Uma ameaça muito séria à paz mundial, sem nenhuma ação da comunidade internacional que a contenha.

Para a União Europeia, a consolidação da aliança Trump/Boris Jonhson representaria uma ameaça existencial.

Perante tão sombria perspetiva, a escolha do candidato do Partido Democrata torna-se uma questão vital.

Há os que pensam que só um centrista como Biden ou Bloomberg pode vencer as eleições; outros que só com um discurso anti-establisment, que afirme uma alternativa económica e social vincadamente de esquerda, como o de Sanders, Trump poderá ser derrotado.

As sondagens mostram que derrotar Trump é possível, mas não será fácil. Nas sondagens todos os candidatos democratas ganhariam o voto popular contra Trump, por margens que vão de 3% a 1%, uma margem semelhante à de Hillary (mais 2% do que Trump), o que não assegura a vitória no colégio eleitoral.

A convicção de que as eleições se ganham ao centro não explica o que aconteceu em 2016, quando Trump, um radical da direita, foi eleito, nem o que aconteceu no Brasil com a eleição de Bolsonaro. O que têm mostrado as eleições em múltiplos países é que o centro tende a desaparecer, perante a polarização política e social. A notável exceção foi a França, com a vitória de Macron, mas com um discurso crítico dos partidos tradicionais do centro esquerda e do centro direita. E mesmo o centrista Macron enfrenta hoje sérias dificuldades, perante a polarização da sociedade francesa, que não conseguiu prevenir.

Não foi por serem esquizofrénicos que os americanos em 2008 elegeram Obama e oito anos depois Trump; foi porque estão profundamente divididos e porque uma parte significativa da classe média branca perdeu a confiança nas elites liberais, não só por razões económicas, mas por não partilhar os seus valores.

Os que consideram que Bernie Sanders está em melhores condições para derrotar Trump fazem-no convictos de que muitos dos descontentes podem mudar o seu voto e dá-lo a um crítico do sistema capitalista americano, com um discurso antiglobalização, que recusa o papel internacional da América como potência global, mas que se coloca sem dúvidas no campo democrático e do Estado de Direito. Para eles, Sanders é o verdadeiro candidato antielites, pois Trump, como malabarista que é, aumentou a desigualdade e beneficiou os super-ricos.

Eu, se fosse americano, votava Warren, porque é da esquerda internacionalista, com uma visão do mundo próxima da dos europeus - na defesa de um multilateralismo eficaz - e propõe soluções para os problemas sociais americanos, como a saúde, a educação. Warren estaria em melhores condições do que Sanders para sobreviver à que vai ser uma das campanhas mais sujas da história. Mas nada indica que seja ela a candidata que os democratas vão escolher.

A escolha recairá provavelmente em Sanders, Biden ou Bloomberg.

Bloomberg, que investiu uma parte da sua fortuna na campanha e é um dos homens mais ricos do mundo, pensa poder comprar a sua eleição. Ora, um dos problemas da democracia americana que favorece o populismo é a convicção de que o seu voto deixou de contar, que os partidos estão reféns das grandes fortunas e dos seus interesses. É a corrupção da política pela elite financeira.

Biden corre o mesmo risco de Hillary de ser visto como uma figura do establishment, responsável pelas angústias da classe média americana branca. Biden espera ser eleito com o voto maciço das minorias negras e latinas, o que, como se viu em 2016, parece ser uma falácia.

Será que Sanders, com um discurso antielites, que alguns classificam como populista de esquerda, afirmando-se socialista democrático — o que para muitos na América é sinónimo de comunismo —, com propostas sociais semelhantes às de Warren, com um projeto de um novo pacto verde e com o enorme entusiasmo que suscita entre os jovens, conseguirá derrotar Trump? Não sei responder a esta questão e creio que ninguém sabe.

Em 2008, aquando das primárias democráticas, hesitei entre Hillary e Obama convicto de que seria difícil um candidato negro e liberal ganhar as eleições. Estava errado. Em 2016, já me parecia provável a vitória de Trump, tanto nos tínhamos habituados a considerar o altamente improvável como a grande tendência do nosso tempo.

Tudo leva a crer que apesar da miséria intelectual da sua presidência Trump possa ser reeleito, recorrendo, como de costume, para conquistar o eleitorado, à mentira, ao obscurantismo, ao racismo, à política-espetáculo, ao discurso de ódio contra todos os seus opositores.

Espero, no entanto, que o improvável nos volte a surpreender em Novembro; todavia, para isso poder acontecer, é necessário que os democratas se unam à volta do candidato que ganhe as primárias, seja ele quem for.

Fundador do Fórum Demos

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