Elas criaram um núcleo feminista na FAUP — pela igualdade na arquitectura

Núcleo Feminista da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto quer discutir a mulher na arquitectura e a falta de representatividade. “Ainda é uma profissão muito masculina”, dizem.

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Tiago Lopes

Depois de uma conversa com várias arquitectas numa aula sobre a presença de mulheres na Arte, organizada pela professora e investigadora Marinela Freitas, o Núcleo Feminista da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP) nasceu. Foi um ponto de viragem para as nove estudantes que o criaram em Outubro de 2019, pois pela primeira vez se aperceberam do elevado número de mulheres presentes numa faculdade que “só passa a perspectiva masculina”, conta ao P3 Chloé Darmon, uma das fundadoras. “Na História as mulheres arquitectas foram apagadas. Nas aulas sentimos que a perspectiva do homem prevalece e o nosso meio profissional ainda é muito hostil para as mulheres”, explica, por seu turno, Natália Fávero.

De acordo com um inquérito do relatório Women in Architecture de 2017, uma em cada sete arquitectas já experienciou algum tipo de assédio sexual no contexto de trabalho. O estudo revelou também que as mulheres arquitectas adiam a gravidez ou não têm filhos, visto que é extremamente complicado voltar ao activo na profissão depois da licença de maternidade. Problemas que se somam às diferenças salariais existente entre homens e mulheres na profissão. 

Confrontadas com estes problemas e a falta de representatividade das mulheres na arquitectura, as jovens decidiram assim criar “um espaço para discutir o feminismo na faculdade e na arquitectura”. E, desde o início, tiveram o apoio constante de outros grupos que partilham a mesma luta, como a associação Mulheres na Arquitectura, o Coletivo Feminista do Porto e o Coletivo MAAD. “Nunca tivemos a sensação de estarmos sozinhas ou alienadas”, realça Natália.

O feedback tem sido positivo. Nas quatro conversas abertas que já dinamizaram, contaram com a presença de alunas de vários anos da FAUP, “incluindo de doutoramento”, professoras e até uma funcionária da faculdade. Numa delas, surgiu a iniciativa #AcordaFAUP, que convidava a denunciar anonimamente através de um formulário online situações machistas que tivessem ocorrido na faculdade. Registaram mais de 50 respostas, inclusive de duas ex-alunas que disseram ter saído da FAUP “devido ao machismo e sexismo” que sentiam na faculdade. Actos que partiam tanto do corpo docente, como do estudantil.

Organizadoras do núcleo. Tiago Lopes
Cartazes das conversas e atividades realizadas. Tiago Lopes
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Organizadoras do núcleo. Tiago Lopes

O maior evento do grupo até agora acontece na primeira semana de Março, em estreita relação com a Greve Feminista Internacional, a 8 de Março. É o Encontro Feminista da FAUP , que decorre de 2 a 6 de Março, e, entre outras actividades, inclui um ciclo de cinema e uma mesa redonda com várias convidadas e representantes de associações, como Isabella Rusconi, da Mulheres na Arquitectura , Patrícia Pedrosa, da W@Arch.pt e Rita Duarte, do Movimento dos Trabalhadores em Arquitectura.

Para o núcleo, é importante educar sobre o tema, através das conversas, dos debates e de uma pasta partilhada onde colocam textos sobre arquitectura e feminismo. “Se começarmos por esse lado académico e de prática dentro da faculdade, acho que podemos realmente mudar a narrativa dominante da faculdade”, esclarece Ana Arantes.

É também relevante dar a hipótese de falar com arquitectas e conhecer experiências de vida. “Ver outras mulheres arquitectas que se desenvolvem no ramo faz com que nós, estudantes, tenhamos esse objectivo, o de conseguir ser essa mulher. Ver que a mulher também consegue chegar lá”, diz Isadora dos Anjos, a única do grupo que não está no último ano do mestrado.

As estudantes da FAUP não estão sozinhas — também a Universidade da Beira Interior tem o colectivo ICA: Igualdade, Cidade, Arquitectura. E na Faculdade de Letras da Universidade do Porto também há um grupo feminista. Todos lutam pelo mesmo: igualdade. Mas o caminho é longo. “Ainda é uma profissão muito masculina”, diz Natália. “Vai forçosamente ter de mudar na prática, na forma como pensamos na história da arquitectura, de como ela foi escrita, muita coisa, até que se possa conseguir a igualdade que queremos.”

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