As “saídas reais” de António Costa e a propaganda eleitoral do PS

O topo da direcção socialista organizou-se para levar a cabo uma estratégia política e eleitoral e fazer uma barragem cerrada de propaganda socialista pelo país.

O primeiro-ministro, António Costa, inaugurou, na quarta e na quinta-feira, em Bragança, os Conselhos de Ministros descentralizados, uma encenação destinada a mostrar junto das populações o exercício do poder governativo. A iniciativa, denominada Governo Mais Próximo, terá periodicidade mensal, percorrerá os distritos do continente e as duas regiões autónomas e prolongar-se-á até ao Verão de 2021. O objectivo é aproximar o Estado dos cidadãos, pela presença física junto das populações daqueles que são responsáveis pelo Governo do país e, com isso, procurar perceber de forma mais directa os problemas, as expectativas e os receios das pessoas e dar-lhes segurança.

Esta encenação política para demonstrar às populações o exercício do poder do Estado traz à memória as “saídas reais” na Idade Média, em que os reis se passeavam pelos países, deslocando a corte consigo, para presencialmente mostrarem, de forma simbólica e teatralizada, o poder real, decretarem ordens, resolverem disputas e praticarem justiça.

É certo que entre as “saídas reais” e os Conselhos de Ministros descentralizados há séculos de História. Nessa distância temporal já milenar, nasceu o Estado moderno, que se foi consolidando e transformando, como enquadrador e como resposta de estruturação da sociedade. Uma esfera de organização que na sua versão mais contemporânea ou actual está potenciada na representação parlamentar e na governação democrática. Daí que a encenação de poder destas iniciativas em que o Governo de António Costa se passeará pelo país seja meramente simbólica, embora possa, de facto, trazer conforto às pessoas. 

Mas mais importante do que a novidade de recuperar encenações do exercício do poder junto das populações ou a qualidade e o impacto real que possa ter o importante leque de medidas legislativas aprovadas, é o que a iniciativa “Governo Mais Próximo” representa enquanto utilização do órgão institucional responsável pela gestão do Estado democrático, o Governo, e a sua instrumentalização para uma operação partidária de propaganda. Expliquemos. Aos Conselhos de Ministros descentralizados somam-se acções no terreno, que estão coordenadas com eles e também com periodicidade mensal, e que envolvem o grupo parlamentar do PS e o partido, na pessoa do secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, com as sessões do Diálogo Olhos nos Olhos.

Assim, até ao arranque da pré-campanha eleitoral para as autárquicas, de forma coordenada, todos os meses, o Conselho de Ministros reunir-se-á num distrito diferente ou numa região autónoma. E antes de o plenário de governantes descer ao terreno, o distrito será visitado pelo secretário-geral adjunto para debater com as “forças vivas” da região, mas também pelos deputados do PS, que entrarão nesta operação à vez, agrupados de acordo com os temas e áreas de governação que dão nome às comissões parlamentares. 

Como escrevia Luciano Alvarez no PÚBLICO na terça-feira, “a batalha socialista pelas autárquicas do próximo ano já começou. Ainda que de forma não assumida, Governo e PS já estão a marcar terreno e a olhar para uma eleição que, há quatro anos, deu uma vitória clara aos socialistas. Tão clara que o número de votos e de autarquias conquistadas se torna difícil de superar. O objectivo para 2021 é segurar o resultado alcançado, e foi com ele na mira que o PS começou a ladrilhar o caminho. O distrito de Bragança é a primeira etapa”.

Depois de José Luís Carneiro, em entrevista ao PÚBLICO, ter assumido que o objectivo eleitoral do PS para as autárquicas é “consolidar” os resultados recorde de 2017 — quando conquistou 159 câmaras sozinho e mais duas em coligação —, o topo da direcção socialista organizou-se para levar a cabo uma estratégia política e eleitoral e fazer uma barragem cerrada de propaganda socialista pelo país.

É evidente que o primeiro-ministro e líder do PS, António Costa, bem como o secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, e a líder parlamentar, Ana Catarina Mendonça Mendes, têm todo o direito de desenhar as suas estratégias partidárias com o objectivo de o PS ganhar eleições. E reconheço que esta operação de propaganda socialista, que irá ser posta em prática pelo país durante um ano e meio, está muitíssimo bem montada e será eficaz do ponto de vista partidário.

Agora, o que não percebo é o silêncio dos partidos da oposição perante a operação política e eleitoral do PS e que nenhum dos dirigentes dos outros partidos tenha questionado esta estratégia. Por mais que estas “saídas reais” de António Costa com os seus ministros, passeando-se pelo país, possam trazer conforto e segurança às populações e também a aprovação de leis importantes, como aconteceu na quinta-feira em Bragança, será que apenas eu dou relevância a este envolvimento do Governo em estratégias eleitorais do PS?

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