Rui Gaiola: A experiência tem que ser melhor do que as fotografias da viagem

Quatro anos, 90 mil ficheiros e um livro de fotografia que não precisa de uma fotografia na capa. @birdcageliving, que fotografa casamentos para ganhar a vida, gravou lá uma frase: I wish I could drive these roads forever.

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Um livro de fotografia sem uma fotografia na capa. É assim porque seria “redutor e injusto resumir quatro anos a uma fotografia só”. É assim porque Rui Gaiola (ou o seu alter-ego @birdcageliving, um pássaro fora da gaiola) contabilizou 90 mil ficheiros desta viagem de viagens, editou 2500 fotografias para o livro que é um resumo espremido de 290 numa edição de autor em que o autor se dá a conhecer – os medos e as inseguranças, os estigmas, a ambição e a determinação. “É das imagens das minhas viagens que são feitas as minhas histórias”, escreve.

Para a capa do seu livro escolheu a frase que o acompanha desde aquele Outono de 2016. I wish I could drive these roads forever. Estava Rui arrebatado pelo Parque Nacional de Yosemite, nos Estados Unidos. “Tudo era fotografável. Parei o carro pela milionésima vez para mais uma fotografia rápida, mais uma fotografia a uma estrada centrada e rodeada de árvores, com tons de verde e castanho-avermelhado únicos.” Depois, quatro anos depois, duzentas e sessenta e tal páginas depois – Portugal continental, Madeira e Açores, Espanha (Picos da Europa), Suíça, Áustria, Itália (Dolomitas), Islândia, EUA e Eslovénia depois –, há outra frase, preto no branco, que se destaca: “A experiência de estar num lugar tem que ser melhor do que as fotografias que levamos para casa.”

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Rui nasceu há 32 anos na Covilhã, “cidade neve”, e viveu desde os nove meses no Sabugal, “lugar tranquilo” onde o tempo era dividido entre a escola e os pinhais, a serra, cabanas no mato, acampamentos, futebol dois para dois, gelados Olá, pacotes de batatas fritas onduladas, Tazos, Matutolas, snooker e Street Fighter. “Neve no Inverno e mergulhos no rio Côa no Verão”, dias grandes e estações bem vincadas. “Vivia-se com liberdade, autonomia e, acima de tudo, com inocência e felicidade. A bicicleta era o nosso carro e roubar fruta das árvores, tocar às campainhas e fugir eram os nossos maiores actos de rebeldia”, recorda. Tem uma fase da vida fotografada pelos pais, que juntavam tudo numa gaveta no quarto deles. “Ainda estão no mesmo sítio. Quando era puto adorava abrir a gaveta, sentar-me no chão e ver as fotografias. E faço o mesmo com os meus filhos. Tenho a certeza que estou a criar imensas memórias só de eles verem as fotos.”

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Estudou em Castelo Branco e em Lisboa, onde vive. “Curiosamente, por ter nascido num meio rural, sempre tive muita vontade de conhecer grandes cidades, vividas, barulhentas, caóticas, as cidades dos filmes e dos livros.” Queria muito descobrir as cidades. Depressa se fartou delas. “Percebi que afinal se calhar não acho assim tanta piada às cidades”, diz à Fugas junto ao Farolim de Felgueiras, na Foz do Porto, um dos poucos cenários citadinos que cabem no seu livro. E não há muitas pessoas nos sítios que fotografa. “As cidades estão saturadas e cansadas e acabei por perder o interesse. Comecei a ganhar gosto por fotografar sítios. E o meu livro é sobre sítios. Quero estar num sítio tranquilo. É o escape de sair da cidade e de ir para o meio do nada”, justifica o fotógrafo, que adora estradas e adora “andar na estrada”. “Adoro road trips. Dão-me uma sensação de felicidade, de realização e de bem-estar incrível, como se o meu lugar fosse exactamente a percorrê-las e descobrir tudo o que cada uma delas tem de secreto e especial. São elas que me levam aos lugares e são elas que me mostram o mundo. Não há duas estradas iguais.”

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Formado em Design Gráfico, há cinco anos que Rui Gaiola ganha a vida a fotografar casamentos (com o projecto Golden Days Photography). Faz em média seis mil fotos por casamento, um “trabalho sazonal” ("fotografo casamentos no Verão e adoro viajar no Inverno") que lhe permite ter o estilo de vida que quer. “Se por um lado tento incluir a natureza nas fotografias de casamento, por outro tento aplicar o registo de dia único que não se repete nas fotografias de viagens”, interliga o fotógrafo, que viaja “o mais barato possível”. Procura racionar a água, a comida, a roupa, a energia e o dinheiro. Geralmente marca apenas a viagem de ida e volta e marca um carro, que lhe dá a “liberdade” da qual não consegue prescindir. Água, comida, máquinas fotográficas e drone “fazem parte do prazer de viajar”.

Fotografa regularmente noivos e convidados com os seus melhores figurinos. E, sempre que possível, deixa-se levar por ventos e tempestades, arco-íris e vulcões. “Gosto de sítios e de estações do ano onde o clima possa ser uma incógnita e surpreender-me.” Chega a um sítio, fotografa e quinze minutos depois desliga tudo, faz uma fogueira e fica ali “a comer uma sande e a admirar”.

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Prefere cenários invernosos a palcos demasiado luminosos ("as nuvens, a chuva, o nevoeiro e a neblina matinal mostram-me os lugares de uma forma tão única e especial que o sol nunca conseguirá fazer") – gosta de os deixar mais limpos do que os encontrou – e costuma citar uma frase de José Saramago ("É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não sairmos de nós") também para explicar o seu próprio “regresso às origens”, à natureza, ao Sabugal (onde já ajudou a plantar um Naturcôa) e às fotografias impressas que “precisam de distância temporal” para serem compreendidas e devidamente apreciadas.

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Com as suas próprias mãos, Rui Gaiola fez mil livros (preço unitário de 23 euros). “Começou com uma ideia muito pequenina. Quando dei conta ficou gigante”, diz o fotógrafo que “precisava de um ponto final” nestes quatro anos de “evolução” e de “auto-conhecimento”. “Este livro é, também, a prova de que não há impossíveis e que quando queremos muito uma coisa conseguimos. Se quisermos ser patrões de nós próprios, conseguimos. Se quisermos fazer da nossa paixão a nossa profissão, conseguimos. Se quisermos muito visitar os Açores, a Islândia ou Yosemite, conseguimos. É preciso é querer.”

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