Coronavírus: Agências ainda não sabem o que fazer com as viagens de finalistas

Os pais estão preocupados com as viagens de finalistas nas férias da Páscoa, o primeiro-ministro disse que “talvez” fosse melhor os estudantes não viajarem para o estrangeiro. Mas, para as agências de viagens, não há directivas, nem certezas, logo não há garantia de reembolsos imediatos para quem queira cancelar já.

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Rui Gaudencio

“Em reunião”, a “analisar os dados”, a “aguardar indicações expressas das entidades competentes”. É o resumo de uma dezena de contactos feitos pelo PÚBLICO para agências e operadores que organizam e comercializam viagens de finalistas. Nenhuma está oficialmente pronta para avançar com reembolsos e, apesar de, como referiu uma responsável da Sporjovem, se registarem “bastantes” telefonemas de “pais preocupados”, não há cancelamentos.

Até porque a nota da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (Dgeste), divulgada nesta quarta-feira, apenas “aconselha” ponderar visitas de estudantes ao estrangeiro (em geral) e o primeiro-ministro António Costa disse que “talvez fosse recomendável evitar-se” fazer tais viagens. Perante a falta de uma directiva concreta, as empresas do sector, contactadas esta quinta-feira, mostravam-se apenas alerta e a aguardar novos desenvolvimentos para comentar mais substancialmente o tema.

“Estamos a acompanhar o desenvolvimento da situação com muita atenção e preocupação desde o seu início em Dezembro, e a monitorizar as recomendações dadas pelos organismos competentes”, declara Catarina Reis, da Megafinalistas (Geostar), que tem dois grandes programas para finalistas à volta da Páscoa – Andorra e Saló, na Catalunha, região onde já foi confirmado um caso de Covid-19 (Barcelona). A responsável adianta que, “de momento”, “não existe qualquer alteração ao programa de viagens”. A ida a Andorra tem o detalhe de contar com o patrocínio da marca Sumol. Segundo informações do assessor para a comunicação, Júlio Gomes, a empresa Sumol+Compal estava, quinta-feira à tarde, ainda a analisar os dados e as comunicações das entidades competentes para decidir se retirava o apoio – o que levaria ao cancelamento da viagem Sumol Snowtrip, programa que se realiza há 15 anos.

Já a Sporjovem, responsável por levar nas férias da Páscoa cerca de seis mil estudantes a Marina d'Or (Comunidade Valenciana, já com oito casos registados), assume que tem recebido “bastantes” telefonemas de “pais preocupados” a pedir mais informações e esclarecimentos. Durante aqueles dias, todas as unidades de alojamento do complexo turístico valenciano estão reservadas pela empresa, pelo que “o destino só vai ter turistas portugueses”, frisa a responsável. Até ao momento, diz a coordenadora, Rita Veiga, não receberam nenhum pedido de anulação da reserva. A responsável indica que se mantém em “contacto diário com as autoridades portuguesas e locais [espanholas] e com o Turismo de Portugal” e que, até ao momento, não terão recebido qualquer indicação de nenhuma destas autoridades no sentido de cancelar o programa.

Rita Veiga defende ainda que, no caso de o evento ser cancelado por indicação expressa das autoridades, seria necessário “ver com o Turismo de Portugal e com as empresas que assinaram os seguros de saúde de cada aluno sobre quem cai a responsabilidade” dos reembolsos.

Quanto a casos de desistência antes dessa indicação, a coordenadora da Sporjovem remete para as condições gerais publicadas no site da empresa. Estas referem que: “desistências efectuadas a menos de 30 dias, inclusive, da data do início da viagem têm gastos de 100%, não sendo reembolsado qualquer valor. Com mais de 30 dias o cliente terá que pagar um valor mínimo de 70€ por pessoa.”

“Efeito negativo”

A um mês do evento, de 28 de Março a 6 de Abril, está já “tudo marcado e pago”: do alojamento ao transporte, assim como os artistas que integram a programação. No entanto, Rita Veiga diz “não saber dizer valores” quanto a possíveis prejuízos. Uma alteração do destino do evento não está em cima da mesa, mas a agência pode vir a “ponderar alterar as datas”.

Também em fase de ponderação estão grandes empresas que comercializam viagens de finalistas, caso da Agência Abreu que, após a publicação inicial deste artigo, enviou ao PÚBLICO um comentário por escrito: “Temos vários clientes a ligar ou a visitar as nossas lojas e a fazer perguntas sobre se podem ou devem cancelar”, refere o director comercial da agência, Pedro Quintela.

Realçando que presta “esclarecimentos” e procede a cancelamentos e reembolsos “para os destinos considerados pela Organização Mundial de Saúde e referidos no Portal das Comunidades como destinos de risco” (desde 24/01, China, Hong e Macau; desde o último fim-de-semana, Norte de Itália), o responsável, no que concerne aos programas de finalistas, remete-as, para já, para outro campo geral, o das viagens organizadas para destinos que oficialmente ainda não foram considerados de risco. “Analisaremos caso a caso, gerindo as situações em função do risco que esteja definido pela OMS. Outros destinos que não estes definidos (pela OMS), terão que ser sempre analisados e discutidos”, sublinha. A prática geral, neste caso: se “um cliente quiser cancelar um pacote turístico (...) será apenas ressarcido do valor entre o custo da viagem e o custo que a Agência de Viagens já teve ou terá com esse programa”, “dependendo também das coberturas dos seguros complementares que o cliente possa ter adquirido”.

No campo das mais especializadas, como a Ala Viagens, que promove oito destinos alternativos para os finalistas, ainda não havia ainda uma posição definida, estando a empresa a estudar o assunto e a esperar restrições oficiais. Contactadas outras empresas como a Slide In, Student Travellers ou Travel Fun, não foi possível ter o comentário das mesmas até ao momento de publicação deste artigo.

Caso igual para a Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), cujo presidente, Pedro Costa Ferreira, admitia, ainda na quarta-feira numa entrevista PÚBLICO/Renascença, que era “razoável” dizer que “o sector vai ter um problema na Páscoa”. “As grandes reservas iniciam-se agora durante Março, a Páscoa é em Abril e não se espera um pico de reservas com todo este ambiente, que ainda não chegou ao seu auge”, profetizava, rematando que “o efeito Páscoa vai ter um efeito negativo no sector. Porque, obviamente, se não há reservas e não há viagens haverá menos receitas, menos facturação”.

Pais apelam ao “bom-senso"

Como o objectivo é garantir a “segurança dos estudantes portugueses”, o Conselho Nacional da Juventude (CNJ), em que também têm assento várias associações estudantis, indicou que “subscreve” o aviso feito pela Dgeste.

Quanto ao dilema aberto com as agências de viagens a propósito de um eventual reembolso dos pagamentos já feitos pelas famílias, Rita Saias considera que “não cabe ao CNJ neste contexto pronunciar-se sobre casos específicos”, mas deixa outro alerta: “Esta situação é apenas mais uma que vem demonstrar a necessidade de se rever o modelo das viagens de finalistas na sua globalidade”.

Pelo seu lado, as duas confederações nacionais de associações de pais já pediram “bom senso” às agências contratadas para as excursões de finalistas. O destino de muitas viagens de finalistas costuma ser o Sul de Espanha, onde já estão confirmados vários casos de infecção. “Está em causa não só a segurança dos alunos, mas também o interesse nacional em controlar a propagação da doença”, frisa o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascenção.

“Se já tivesse pago preferia ficar sem o dinheiro do que correr o risco de a minha filha contrair a infecção”, comenta o presidente da Confederação Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE), Rui Martins, que espera contudo que prevaleça uma posição de “bom senso de todas as partes de modo a minimizar os danos de todos”.

"Circunstâncias excepcionais"

Já a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor – Deco remete para um texto com conselhos gerais sobre o coronavírus e as viagens, ainda sem nada especifico relativamente às viagens de finalistas. Tal como comentaram alguns responsáveis de agências, o documento online no que se refere a viagens organizadas, salienta o direito ao reembolso nos destinos China e Norte de Itália. “A lei permite que o viajante rescinda o contrato a qualquer momento, antes de se iniciar a viagem. E não terá de pagar à agência de viagens qualquer taxa de rescisão, porque se verificam circunstâncias excepcionais no local de destino ou na sua proximidade que afectam consideravelmente a realização da viagem programada”.

Mas: “Só será assim em relação aos destinos gravemente afectados pelo vírus. Não pode ser fruto de um mero receio do viajante.” Em relação a seguros de viagem, em “nenhuma das apólices analisadas se considera motivo de força maior o cancelamento da viagem por receio de contágio”, resume a Deco. “Por isso, não podemos dizer, de forma generalizada, que os seguros de viagem podem ser activados devido ao coronavírus. Depende da apólice e da situação que se pretende garantir, como o pagamento das despesas médicas de quem tenha sido infectado durante uma viagem, ou o reembolso das despesas com o cancelamento de uma viagem, por exemplo.” Sem directivas expressas para outros destinos, é “impossível dar uma resposta única a estas questões”.

Até agora foram registados 52 casos suspeitos em Portugal, 36 dos quais tiveram resultado negativo após testes laboratoriais, aguardando-se resultados dos restantes 16. Dados enviados ao PÚBLICO pelo Ministério da Saúde dão conta que, desde 25 de Janeiro, foram feitos mais de 1500 contactos telefónicos relacionados com o surto de coronavírus para a linha SNS 24. As páginas do site com informação sobre a epidemia recolheram mais de 126 mil visualizações.

Notícia actualizada às 14h12 deste sábado com a resposta da Agência Abreu.

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