Um diário de muitos regressos aos Açores

Durante um ano, Joel e Catarina viajaram pelas ilhas dos Açores e os principais destinos da diáspora açoriana, à procura de algumas respostas a muitas perguntas. “Quantas vezes menciona quem regressa, ao recordar a sua deriva, a palavra ‘saudade’?”

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Muito Mais do Que Saudade

Está na primeira entrada do diário – que acompanha o livro, que está cheio de histórias de vida. “O primeiro regresso fomos nós, eu e o Joel.” O primeiro regresso desta compilação de regressos aos Açores foi o deles, de Catarina e de Joel, casal que em 2012 meteu num contentor o recheio da casa arrendada ("as plantas e tudo") e trocou Lisboa pela Terceira. “O carro sobreviveu à travessia de metade do Atlântico, nós a uma viagem de avião que era uma ida sem volta”, assinala Catarina Ferreira de Almeida (1977; mestre em Literatura pela Universidade de Rennes e tradutora) na entrada “A nossa vida num contentor”.

Durante um ano, Joel e Catarina viajaram pelas ilhas dos Açores e os principais destinos da diáspora açoriana, à procura de algumas respostas a muitas perguntas. “De que falamos quando falamos de regresso a casa? Quantas vezes menciona quem regressa, ao recordar a sua deriva, a palavra ‘saudade'? E a palavra ‘terra'? E ‘mãe'? E ‘pertença'? Que palavras se repetem no seu discurso, afinal? Que palavras ficam por dizer? E que palavra, feitas as contas, se sobrepõem a todas as outras?”

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A demanda levou-os da Terceira, onde vivem, às restantes ilhas dos Açores e daí às duas margens do continente norte-americano. Entrevistaram “homens e mulheres, velhos e novos, bem-sucedidos e nem por isso, com e sem notoriedade pública – mas sempre com aquelas ilhas como primeiro referencial, geográfico e sentimental.”

Esse projecto, a que chamaram “As Palavras do Regresso”, deu primeiro origem ao filme O Caminho de Casa, do realizador Arlindo Horta, o terceiro elemento da comitiva, sob a égide da FLAD (Fundação Luso-Americana Para o Desenvolvimento). O volume bilingue Muito Mais do Que Saudade é o mais recente capítulo da aventura.

Daí o pormenor de começarem cada texto de entrevista com uma contagem de palavras repetidas, como se estivessem a sentir o pulso à pessoa que está do lado de lá (ou estará do lado de cá?). Vinte e duas vezes a palavra “marketing”, dez a palavra “família”, 21 vezes “casa” e 25 “vida”. Vinte e quatro vezes “conforto”, nove a palavra “inquietude”, “dinheiro” (oito), “casa” (11) e “sofá” (três). Vinte e nove vezes a palavra “sentir” (e seus derivados), 30 vezes “loja” e nove vezes “inspiração”. Dez vezes “dívidas”, 12 vezes “dinheiro”, 12 vezes “agarrar” e 26 “Deus”.

À partida, tinham uma certeza, que “os açorianos são um povo de viagem”. “Viajam porque é a viagem o que os separa do mundo. Viajam porque é a viagem o que os separa da sobrevivência. Viajam porque não podem confinar-se, por mais um momento que seja, às fronteiras da ilha – àquela pequenez, àquele horror e, contudo, sucumbem à falta dela ao fim de poucos dias”, escreve Joel Neto (1974), autor de romances, jornalista e colunista.

“O nómada é aquele que viaja ou, pelo contrário, aquele que fica? É o que leva a casa consigo para onde quer que vá ou o que permanece no mesmo sítio, a sonhar com a viagem?”, questiona-se o autor. A resposta pode estar noutra entrada deste grande diário. “Haverá sempre lugares de onde andamos exilados, lugares onde nos esperam, lugares a que voltamos. Mas aqui na ilha, por ora, não nos sentimos perdidos.”

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