Animais celebram Carlos Paredes, trazendo-o para o formato de canção

De um antigo encontro entre os Belle Chase Hotel e o Quinteto de Coimbra nasceu uma abordagem do repertório de Carlos Paredes que esta sexta-feira chega a disco: 15 Anos Sem Paredes, assinado por um quarteto que é um novo colectivo: Animais.

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Os Animais: Pedro Lopes, Raquel Ralha, Pedro Renato e Ricardo Dias BRUNO PIRES

Chama-se 15 Anos Sem Paredes e é assinado por um colectivo: Animais. Sem mais. Mas ao abrir o disco, que chega hoje às lojas, ficamos a saber que por detrás do nome estão quatro músicos: Raquel Ralha, voz (ex-Belle Chase Hotel e Wraygunn), Ricardo Dias, guitarra portuguesa, Pedro Lopes, guitarra acústica (ambos membros do Quinteto de Coimbra) e Pedro Renato, coros e vários instrumentos (também ex-Belle Chase).

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A capa do disco

A história que os juntou é antiga, e remonta a 2003, quando na então Coimbra Capital da Cultura se realizou um espectáculo chamado “Mondego Chase”, com alguns temas de Carlos Paredes e outros dos Belle Chase Hotel, reunindo em palco este grupo com o Quinteto de Coimbra. Os temas de Paredes tinham já um fito: “Foi uma ideia para um disco que depois acabou por sair, chamado Movimentos Perpétuos [Música Para Carlos Paredes], e penso que foi o Henrique Amaro que falou em nós, para entrarmos nessa compilação”, diz ao PÚBLICO Pedro Renato. “Foi uma coincidência feliz, porque já estávamos a pensar fazer qualquer coisa com o Quinteto de Coimbra. E como precisávamos da guitarra portuguesa, fez todo o sentido trabalhar com eles.”

Instrumentais e canções

Desse espectáculo, só um dos temas acabou por passar ao disco: Verdes anos. Onde a versão dos Belle Chase com o Quinteto de Coimbra surgia a par de vários temas que celebravam a arte de Carlos Paredes e entregues, entre outros, a nomes como Sam The Kid, Ricardo Rocha, Mísia, Dead Combo, Rodrigo Leão, António Pinho Vargas, Gaiteiros de Lisboa, Carlos Bica & Azul, Maria João e Mário Laginha, Ana Sofia Varela e Fredo Mergner ou Lupanar. Carlos Paredes, que viria a morrer no ano seguinte, 2004, com 79 anos, gostou do resultado e manifestou publicamente esse seu agrado.

Passados 15 anos, a ideia base do espectáculo passou a disco. Verdes anos foi regravado e entraram novos temas. “E há, logo à partida, uma grande diferença. Na altura, as versões eram completamente instrumentais. Agora grande parte do disco é vocalizado.” O disco arranca com Noite e Verdes anos, ambos instrumentais, tal o sexto tema do disco, Despertar. Os restantes cinco temas, tem letras de Pedro Lopes (Canção de Alcipe, Sede e morte, Frustração, Canto da rua) e de Raquel Ralha (Canto do rio).

Nascido em palco e ganhando lugar em disco, voltará este ano ao ponto de partida: “A ideia é levá-lo agora para os palcos, porque é forma mais directa de chegar às pessoas”, diz Pedro Renato. Mas para lá disso, o projecto Animais envolve ainda uma espécie de representação, com a inclusão no disco de um Manifesto, escrito por Pedro Lopes mas de autoria omissa, atribuído ao colectivo. E é um manifesto revoltado: “No que se diz Humano diz-se sempre mais do mesmo: Eu, Meu, Nosso. Nós, Eu, Eu! Não cuidamos de nada, nem de ninguém! Pelo caminho à sorte, vamos destruindo o céu e a terra. […] Não queremos mais ser parte desta ficção rebuscada! Queremos voltar à raiz, à essência, ao que somos […]. Assumimos uma oposição e este estar abstracto, fabricado, idólatra, repetidor. Controlador. Queremos ser o que sempre fomos, anima!” Ou seres vivos.

“Paredes é bastante livre”

Mas para lá do anima do texto, o nome do grupo tem mesmo ligação aos animais. Pedro Renato: “Eu tenho uma ligação muito directa e muito profunda com os animais, protejo muitos animais de rua, tenho animais em casa, e o nome tem a ver com a minha vida pessoal e com o meu universo. Alguém até fez uma analogia, se calhar um bocado parva, dizendo que os Humanos tinham o Variações e os Animais têm o Paredes!”

Esteticamente, diz Pedro Renato, foi um desafio trabalhar sobre temas fora do seu universo habitual. “Acho que traz um olhar novo, um olhar diferente. Foi um grande desafio, porque o Carlos Paredes, em termos de composição, é bastante livre. Ele partia de uma base melódica e depois era um nunca mais acabar de ideias, de andamentos e de progressões harmónicas com acordes extensos e complexos. É basicamente música clássica para guitarra portuguesa. E o nosso maior desafio foi pegar numa série de andamentos e linhas melódicas diferentes, encontrar dois ou três momentos mais orelhudos e transportá-los para o formato de canção.” No último tema, Canto da rua, há um sample da voz de Carlos Paredes, tirado de uma entrevista. E há ainda outro sample, na canção escrita por Raquel Ralha a partir do tema Canto do Rio, de Paredes: Agne, vaklo, agne, um tradicional dos Balcãs cantado pela cantora búlgara Valya Balkanska.

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