Comissão insiste que castração química é inconstitucional mas responde a Ferro que discussão em plenário é responsabilidade sua

André Ventura promete recorrer da decisão de Ferro, se este recusar o debate: deputado do Chega recusa “censura intermédia” e pedirá para o plenário votar a agenda de sexta-feira. Presidente do Parlamento anuncia decisão na quinta-feira de manhã.

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Ferro Rodrigues tem nas mãos a decisão de permitir, ou não, o debate sobre castração química daniel rocha

A bola está de novo do lado de Eduardo Ferro Rodrigues: a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (CACDLG) insiste que a proposta para a consagração da castração química como pena acessória para os agressores sexuais de menores é inconstitucional, mas remete para o presidente da Assembleia da República e para a conferência de líderes a decisão sobre se a iniciativa do Chega deve ou não ser discutida em plenário na próxima sexta-feira.

Esta resposta a Eduardo Ferro Rodrigues foi aprovada pelo PS, PCP e por Joacine Katar Moreira, teve a abstenção do PSD e do PAN e o voto contra do Bloco, CDS e Chega. Há duas semanas todos os partidos consideraram que a proposta de André Ventura é inconstitucional e alguns - PS, PSD, PCP - até defenderam que não devia ser discutida em plenário, mas optaram por não incluir no parecer a conclusão sobre se deveria ou não subir a plenário.

De acordo com informação do gabinete de Eduardo Ferro Rodrigues, o presidente só tomará a sua decisão ao início da manhã de quinta-feira.

Depois de uma hora de discussão acesa, os deputados aprovaram um aditamento ao parecer que procura responder às duas perguntas do presidente da Assembleia da República (PAR) mas cujo conteúdo não é tão directo quanto Ferro Rodrigues pretendia. O texto agora aprovado remata com um parágrafo em que vinca ser “entendimento da Comissão de Assuntos Constitucionais que o projecto de lei não preenche os requisitos para subida a plenário, pese embora entender que a decisão sobre o agendamento não cabe nas suas compete mas sim ao PAR ouvida a conferência de líderes, razão pela qual se decidiu não incluir [a referência] no parecer”.

Eduardo Ferro Rodrigues poderá agora escudar-se na frase taxativa do parecer da comissão que, apesar de não rejeitar a discussão da proposta, diz que considera a medida inconstitucional. Depois de o PS lhe ter enviado uma carta em que dizia que, como a comissão havia considerado a proposta inconstitucional, esta não deveria ser discutida com o seu projecto de lei sobre autodeterminação sexual de menores, o PAR pediu à comissão que clarificasse o que seu primeiro parecer.

E perguntava: “Considera que as ‘dificuldades manifestas’ de natureza constitucional identificadas no parecer da primeira comissão ao projecto de lei n.º 144/XIV/1.ª são ultrapassáveis no decorrer do processo legislativo?” A resposta foi clara: tendo em conta que a pena acessória da castração química é o assunto fundamental do projecto, “a desconformidade constitucional parece inultrapassável”, considera o parecer.

A segunda pergunta era: “Atendendo às considerações tecidas no parecer relativo ao projecto de lei, conclui que o mesmo reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em plenário?” A resposta, que a deputada do PS inicialmente tinha redigido de forma pouco directa - “embrulhada”, diriam mesmo o comunista António Filipe e o social-democrata Luís Marques Guedes - foi depois alterada seguindo várias propostas de alteração que surgiram de diversos partidos, acabou por ter uma natureza que ajuda Ferro Rodrigues a pelo menos passar a ideia de que não está a decidir sozinho.

Ventura levará o assunto ao plenário de qualquer maneira

André Ventura veio entretanto traçar as suas linhas vermelhas: se Ferro Rodrigues decidir retirar da agenda de sexta-feira a discussão do projecto, o deputado do Chega vai requerer a votação, no início do plenário, da inclusão da iniciativa na ordem de trabalhos. Ventura assume que pretende obrigar os deputados a assumirem posição e mostrar que esta é uma questão política, e que está a ser alvo de tratamento diferenciado em relação a outros partidos. “O presidente já tinha admitido a proposta para discussão, voltou atrás por pressão do PS (...) e agora ninguém quer ficar com o ónus de não permitir que chegue à discussão no plenário”, apontou o deputado no final da reunião da comissão.

Se não for permitida a discussão é aberto um “precedente gravíssimo”. “Vamos ter censura intermédia” nas comissões parlamentares ou pelo PAR, que passam a decretar o que é ou não inconstitucional antes de qualquer discussão. “O que vai acontecer com a proposta de redução de deputados ou com a de prisão perpétua quando a propusermos?”, questionou-se o deputado.

Ventura disse ainda que o pedido de Ferro para a comissão esclarecer o que pensa sobre o projecto da castração é “apenas para o PAR não ter o ónus da decisão; está a lavar as mãos”, acrescentando recusar “jogadas de bastidores” sobre aquela que é uma das suas bandeiras eleitorais.

PSD dá passo atrás

Nesta quarta-feira, o PSD deu um passo atrás, escusou-se a assumir que o texto não devia ir ao plenário e até trouxe como exemplo uma proposta inconstitucional que há um ano foi discutida em plenário: o projecto de lei do Bloco para a criação de tribunais específicos para julgar violência doméstica. “Não me parece bem estarmos agora a criar um precedente em sentido oposto”, defendeu.

Há duas semanas, a mesma deputada tivera uma intervenção contrária: “Se esta proposta vai a plenário, o que não irá depois disto? Resta-nos a pena de morte e outras sugestões quejandas”, apontava Mónica Quintela, que dizia que a proposta de André Ventura tem “erros clamorosos”, “fere direitos constitucionais sagrados pela legislação portuguesa e supranacional e que se pensava que já não era possível nos tempos modernos”, “não resolve nada, é populismo e demagógico”.

O bloquista José Manuel Pureza foi no mesmo sentido, criticando “desvios” e a criação de “precedentes” e pediu “coerência". “Não se deve criar um precedente no sentido de a comissão se outorgar direitos de obstar ao agendamento de iniciativas por mais inconstitucionais que possa parecer aos grupos parlamentares.” A deputada do PAN Inês Sousa Real também afirmou que ao determinar se um projecto viola ou não a Constituição a comissão “pode estar a ir além das suas competências”.​

André Ventura, que faltara à reunião de dia 12 (quando o parecer foi discutido e votado), assim como o centrista Telmo Correia lembraram que todas as entidades que se pronunciaram sobre a eutanásia a consideraram inconstitucional e ela foi discutida e aprovada em plenário. O deputado do Chega acusou o PS de não querer ficar com a responsabilidade de recusar a ida ao plenário e de abrir um “terrível precedente” tornando a comissão de Assuntos Constitucionais um “filtro e uma barragem” ao fazer “interpretações políticas”.

André Ventura tentou desmontar os argumentos da inconstitucionalidade e das comparações com a pena de morte - que é taxativamente proibida pela Constituição. E o mesmo faria depois Telmo Correia sobre o fim da autonomia das regiões da Madeira e dos Açores ou sobre o regresso ao regime monárquico. O centrista avisou ainda que não se pode entrar no caminho de ser uma maioria simples a determinar ou a bloquear o que é constitucional ou não. “Eu não me sinto em condições de ser uma espécie de juiz do Tribunal Constitucional em primeira ou última instância.”

No PS, Isabel Moreira defendeu que a comissão não de pode demitir de analisar se uma proposta desrespeita a Constituição e o comunista António Filipe defendeu que a “defesa da constitucionalidade não é um exclusivo do TC; compete a todos os órgãos de soberania zelar pelos valores constitucionais”. E que a comissão existe para “habilitar o PAR a tomar decisões”. “Se há quem se esteja nas tintas para Constituição, não deve ser esse o caso desta comissão.”

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