Partidos da oposição da Nicarágua juntam-se para enfrentar Ortega

Coligação inclui sete partidos políticos com diferentes ideologias e pretende desafiar a repressão do regime sandinista e “democratizar” o país latino-americano.

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Carlos Tunnerman, representante da Aliança Cívica EPA/Jorge Torres

Sete partidos, um objectivo: fazer frente a Daniel Ortega, ao seu clã e à repressão cada vez mais sufocante do regime, na Nicarágua. É este o mote por trás da criação, na passada terça-feira, da Coligação Nacional, uma plataforma partidária que junta à mesma mesa partidos políticos e movimentos cívicos de diferentes convicções e ideologias, e que promete desafiar o Presidente sandinista nas eleições de 2021.

Uma difícil missão que, de acordo com os membros do novo projecto opositor, que se juntaram, clandestinamente, numa livraria em Manágua, para o oficializar, só se alcança se forem cumpridas três premissas, vistas como fundamentais para se “democratizar” a Nicarágua: a “restituição das liberdades democráticas”; a libertação dos “presos políticos”; e a realização de reformas que permitam eleições “limpas e transparentes”.

“Assino [o documento estratégico] com a convicção de que, todos unidos, e pondo a Nicarágua em primeiro lugar, sem qualquer exclusão ou distinção, vamos derrotar a ditadura”, afiançou Carlos Tunnerman, representante da Aliança Cívica, uma organização civil, empresarial e estudantil, que nasceu durante os protestos de 2018.

A repressão violenta das autoridades a essas manifestações, sem precedentes, que nasceram de uma reforma da Segurança Social, mas que deram origem a um movimento mais alargado de contestação popular, transformou o país da América Central num autêntico palco de guerra – morreram mais de 300 pessoas, outras mil foram detidas e quase 80 mil fugiram da Nicarágua.

E a irredutibilidade demonstrada por Ortega nesses meses de muito sangue e muita violência foi entendida pelos seus opositores como a derradeira prova de que o Presidente, e a sua mulher e vice-presidente, Rosario Murillo, tinham perdido toda a legitimidade para continuar no poder.

É essa avaliação de condenação do regime que permite que partidos que representam sectores e eleitores tão distintos, como os estudantes, os empresários, o campesinato, os “contras”, os indígenas, os académicos e até a Igreja Católica ou os partidos tradicionais, como o Partido Liberal Constitucionalista, se unam agora para encontrar meios de pôr fim à segunda passagem do herói da Revolução Sandinista pela presidência – foi eleito em 2006, tendo liderado a Nicarágua entre 1985 e 1990.

“É um passo importante, na medida em que a população exige que haja unidade contra a ditadura, mas é preciso mais do que uma coligação para a derrotar nas eleições de 2021”, diz ao jornal espanhol El Mundo Óscar René Vargas, analista político e co-fundador da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), de Ortega.

“Não basta denunciar a repressão, também é necessário atender às exigências sociais das pessoas, desde o preço da energia eléctrica até ao desemprego e às reivindicações salariais”, considera Vargas.

O herói que se isolou

Aclamado em tempos com os mesmos louvores de outras grandes figuras da esquerda marxista e libertária latino-americana, pelo papel que desempenhou na deposição do ditador Anastasio Somoza (1979) e pelas conquistas sociais, alfabetizadoras e laborais que promoveu na Nicarágua – estas aquando da sua primeira passagem pelo poder –, Daniel Ortega é hoje um líder político isolado.

A abolição de mandatos presidenciais, o controlo da Justiça, das autoridades eleitorais e dos media, a militarização das ruas de Manágua, o endurecimento da repressão policial, o favorecimento aos grandes grupos económicos e a pessoas próximas do seu núcleo duro, e a pobreza extrema de mais de 30% da população fizeram aumentar a contestação ao guerrilheiro transformado em político e acabaram por afastar os poucos aliados que ainda tinha – nomeadamente a elite empresarial e a Igreja Católica.

A Coligação Nacional pretende unificar todas as vozes críticas do orteguismo e há quem encontre parecenças com a Mesa da Unidade Democrática da Venezuela, a plataforma opositora a Nicolás Maduro e ao regime chavista, que venceu as legislativas de 2015 e que deu luz verde para que Juan Guaidó se autoproclamasse presidente interino do país, no início do ano passado.

“Na Venezuela houve a eleição de representantes, escolhidos pelo povo. Nós não temos o privilégio de ter um Parlamento independente”, distingue, no entanto, Juan Sebastián Chamorro, também da Aliança Cívica.

O plano, garante o dirigente, é fortalecer a dimensão colegial da coligação e mostrar aos nicaraguenses que há uma alternativa política a Ortega: “Aqui estão as caras de muitos dos líderes desta luta, é um trabalho conjunto e de grupo. E nesta nova proposta acreditamos ser necessário eliminar a ideia do comandante, do messias que descerá dos céus para resolver os nossos problemas”.

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