Tejo, um Mar Urbano para debater e preservar

Documentário de José Vieira Mendes percorreu as terras do estuário e mergulhou no rio para revelar a riqueza do ecossistema e de tudo o que dele depende. O primeiro objectivo, assume o realizador, é “suscitar o debate”.

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O documentário foca-se nas zonas banhadas pelo estuário do Tejo Pedro Fazeres

Longe vai o dia em que um homem de pêra se lançou ao Tejo durante uma campanha eleitoral. O “autêntico espectáculo de natação”, assim descrito por um repórter da RTP que acompanhou a façanha, tinha um propósito. “O candidato nadador deve ter compreendido porque os golfinhos deixaram de subir o rio”, explicava o locutor televisivo, momentos antes de apanhar o homem à saída da água e de lhe perguntar de chofre se ela estava fria e poluída.

“Muito poluída. Não pode estar assim daqui a quatro anos”, disse Marcelo Rebelo de Sousa ainda a pingar. “Este meu gesto simbólico significa o reencontro dos lisboetas com o Tejo e também o compromisso de que, daqui por quatro anos, eles não precisarão de tomar as vacinas que eu tive de tomar para poderem nadar em faixas do Tejo que lhes pertence.”

O actual Presidente da República falhou o objectivo de liderar a Câmara de Lisboa, mas as suas braçadas no rio entraram no álbum de recortes da vida nacional. Tanto que José Vieira Mendes as escolheu para abrir o seu mais recente documentário, Mar Urbano Lisboa, que é um mergulho (literal) no Tejo e nas margens que ele banha.

“Ninguém se atreveria a molhar os pés no rio”, assegura o realizador e jornalista, corroborando a péssima imagem que o então candidato autárquico transmitira em 1989. Vieira Mendes sublinha as mudanças positivas que desde então se operaram no Tejo, o que até permitiu o regresso dos golfinhos ao estuário, mas alerta para os novos riscos que se avizinham.

Eis então um filme que, antes de tudo, quer “suscitar o debate”. “Vamos discutir o rio com um espírito aberto. Temos de ter em conta as ameaças, mas também saber que nem tudo é mau”, diz o realizador. Aproveitando que Lisboa é Capital Verde Europeia em 2020, José Vieira Mendes e o biólogo marinho Ricardo Gomes, que já em 2017 realizara Baía Urbana a propósito da baía de Guanabara, mergulharam no estuário e percorreram os territórios em seu redor para pôr a descoberto, uma vez mais, a sua importância natural, social, económica, afectiva.

“A minha infância foi feita junto ao rio. Eu não vivo sem ele, é muito importante para mim enquanto lisboeta. É uma relação quase visceral”, diz Vieira Mendes, acreditando que o sentimento é partilhado por muitos conterrâneos, ainda que não lhe conheçam em detalhe todas as riquezas.

Nas imagens subaquáticas, captadas por Ricardo Gomes, fica patente “a diversidade do ecossistema” e “a surpreendente quantidade de espécies marinhas” que habitam o estuário – e que é atestada por entrevistas aos biólogos Maria José Costa e Leonel Gordo, bem como ao ambientalista Francisco Ferreira. Seguem-se cenas mais conhecidas, como a de um pescador no cais do Ginjal, a de um construtor de barcos tradicionais ou a dos instrutores de vela e mergulho.

José Vieira Mendes aponta a realização da Expo-98 como “um marco muito importante” para a revitalização da relação entre Lisboa e o rio, um passo fundador que “fez desaparecer a imagem ‘aqui vai disto’” e que deixou lastro em várias obras urbanas que se seguiram, em ambas as margens.

Vinte anos depois da Expo, o realizador capta no mesmo local, o Parque das Nações, trotinetes e outro lixo deitado ao rio, um dos sinais preocupantes que o documentário identifica e quer trazer a terreiro. Mas há outros. “Toda esta zona que estamos a percorrer, e com ela algumas populações, corre risco devido à subida do nível da água do mar”, lembra Vieira Mendes. Outra ameaça com que o rio se confronta é o tráfego intenso de navios, como os cruzeiros muito poluentes, que para o realizador “tem de ser repensado”.

Depois de ter estreado durante a conferência O Futuro do Planeta, em Setembro, numa sessão lotada, este Mar Urbano apresentou-se já em festivais de Kuala Lumpur (Malásia) e Valladolid (Espanha). O desejo dos seus realizadores é que venha a ser projectado também em Lisboa ainda em 2020 para que a Capital Verde sirva de mote à discussão a que se propõem fazer. Rios Urbanos, um documentário que Ricardo Gomes fez posteriormente com imagens do estuário do Sado, já tem estreia marcada para a conferência dos oceanos da ONU, que se realiza em Lisboa, em Junho.

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