Football Leaks origina investigação a empresários de jogadores em Espanha

Defesa de Rui Pinto considera natural que as autoridades utilizem informação revelada pelo hacker. Transferências intermediadas por Fali Ramadani, um dos principais agentes de futebol, estão a ser investigadas.

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Rui Pinto está em prisão preventiva desde 22 de Março do ano passado LUSA/MÁRIO CRUZ

As autoridades espanholas abriram uma investigação a Fali Ramadani, o empresário albanês responsável pela Lian Sports, empresa que agencia o passe de vários jogadores de futebol. O agente é suspeito de fraude e branqueamento de capitais, alegadamente cometidos através de contratações fictícias de jogadores. Como rastilho da Operação Lanigan, como foi baptizada a investigação,​ serviram as revelações feitas pelos órgãos de comunicação social que analisaram documentos do Football Leaks, projecto encabeçado por Rui Pinto, revelou a Guardia Civil, esta terça-feira, em comunicado.

Fali Ramadani e o parceiro de negócios, Nikola Damjanac, ambos da Lian Sports, são suspeitos de terem alegadamente branqueado mais de dez milhões de euros em Espanha, usados na compra de moradias de luxo.

“Depois de uma monitorização exaustiva a nível internacional da origem do dinheiro, conseguimos descobrir como estes agentes participavam numa organização criminosa capaz de controlar vários clubes de futebol em países com a Sérvia, Chipre ou Bélgica, realizando contratações fictícias, de que apenas se teve conhecimento através dos documentos desvendados pelos órgãos de comunicação social, conhecidos como Football Leaks”, detalha a Guardia Civil.

Francisco Teixeira da Mota, advogado de Rui Pinto, vê com naturalidade o facto de as autoridades espanholas terem utilizado as informações divulgadas pelo seu cliente para iniciarem as investigações, algo que já tinha sido feito no passado. Quanto a uma eventual colaboração de Rui Pinto com as autoridades portuguesas, intenção revelada numa conferência de imprensa realizada em Lisboa há cerca de duas semanas, o advogado garante que o denunciante mantém o compromisso, mas que ainda não existiram progressos nessa situação. 

“Naturalmente, é essencial que as autoridades utilizem a informação sobre crimes graves, tais como fuga ao fisco e branqueamento de capitais, independentemente da sua origem. Isso não quer dizer que as autoridades quebrem a lei na obtenção de informação. Mas se a informação lhes chega, deve ser investigada”, explica ao PÚBLICO o advogado de Rui Pinto, que também foi o responsável pelas denúncias dos Luanda Leaks. 

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Avançado Luka Jovic não realizou qualquer jogo no Chipre antes de ser vendido ao Benfica Hannah Mckay/ PUBLICO

O superagente que levou Jovic para Madrid 

Em Maio do ano passado, Fali Ramadani era apresentado pela imprensa espanhola como o superagente responsável pela transferência de Luka Jovic. O então avançado do Eintracht Frankfurt e ex-jogador do Benfica mudava-se para o Real Madrid, um dos principais clubes do futebol europeu, por 60 milhões de euros. Enquanto a Lani Sports fechava uma das maiores transferências do ano, mais de uma centena de agentes da Guardia Civil e da Agência Tributária espanhola olhavam atentamente para os negócios realizados por Fali Ramadani.

No final de 2016, o The Black Sea, órgão que integra o consórcio European Investigative Collaborations (EIC), responsável pela revelação dos documentos do Football Leaks, fez um trabalho sobre as “contratações fantasma” do Apollon Limassoll. Documentos mostravam que o emblema cipriota foi utilizado como uma plataforma para fazer transitar jogadores: o clube comprava um futebolista — que, por vezes, nem chegava a vestir a camisola do Apollon — e vendia-o na janela de transferência seguinte.

Luka Jovic foi um destes casos: o avançado foi adquirido pelo Apollon Limassol ao Estrela Vermelha. No Chipre, não fez uma única partida. Ainda assim, os direitos económicos seriam vendidos ao Benfica por 6,6 milhões de euros, valor três vezes superior ao da transferência inicial para o Chipre. Além do avançado foram identificados outros seis jogadores envolvidos neste esquema.

Jorge Mendes e Ronaldo foram investigados

Esta investigação realizada pelas autoridades espanholas em conjunto com a Europol não é a primeira que parte das revelações nos documentos partilhados pelo Football Leaks. A situação tributária do agente mais influente do mundo, o português Jorge Mendes, e do seu principal activo, Cristiano Ronaldo, foram escrutinadas pelas autoridades espanholas.

Os documentos revelados por Rui Pinto mostravam que o avançado da Juventus teria alegadamente colocado 150 milhões de euros num paraíso fiscal, com a intenção de fugir ao pagamento de direitos de imagem. O internacional português foi condenado a pagar 16,7 milhões de euros ao fisco de Madrid.

Vários futebolistas agenciados pela Gestifute, empresa de Jorge Mendes, seguiram pelo mesmo caminho. Radamel Falcão, antigo jogador do Atlético de Madrid e do FC Porto, declarou-se culpado de delitos fiscais, reembolsando o fisco espanhol em cerca de sete milhões de euros. Em tribunal, o colombiano ilibou o agente.

Também James Rodríguez, antigo jogador do FC Porto, teve de reembolsar o fisco espanhol em quatro milhões de euros. Fábio Coentrão, colega de equipa do colombiano no Real Madrid, foi igualmente obrigado a pagar 1,7 milhões de euros.

Além dos jogadores, também o fundo de investimento Doyen, um dos principais visados nas informações divulgadas pelo Football Leaks, foi investigado por suspeitas de fuga ao fisco no valor de cinco milhões de euros. José de la Mata, presidente da Audiência Nacional, instância que julga crimes violentos e de alta complexidade, decidiu iniciar diligências após uma queixa do Gabinete de Anticorrupção, que apontava para vários rendimentos provenientes de compra de direitos económicos de jogadores e empréstimos que não tinham sido devidamente declarados e tributados.

Nélio Lucas, ex-administrador da Doyen, dois ex-futebolistas do Atlético de Madrid, Juanma López e Mariano Aguilar, e dois outros intermediários são os principais visados nesta investigação. 

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