Mercado automóvel nacional: como se poderá acelerar um sector repleto de desafios?

Os dados estão lançados. Urge, agora, colocar em marcha os procedimentos que poderão manter o crescimento do sector nos dois dígitos, sempre numa curva ascendente. De que ingredientes necessitaremos mais para operar um efectivo upgrade no sector?

2019 voltou a ser um ano excepcional para a produção automóvel nacional. Das fábricas portuguesas saíram 346 mil unidades de viaturas, número que representa um crescimento superior a 17% face a 2018 e que coloca, definitivamente, Portugal no clube dos produtores automóveis. A nível nacional, refira-se que a produção automóvel representa um volume de negócios de 16 mil milhões de euros e envolve 71 mil empregos directos e cerca de 600 empresas directamente ligadas ao processo de fabrico.

2019 fica marcado, ainda, por uma quebra de 2% no mercado automóvel nacional, decréscimo que contrasta, por sua vez, com o crescimento significativo registado nos veículos movidos a energias alternativas. Neste campo, refira-se que os veículos eléctricos passaram a representar 3,1% do mercado, um enorme ganho de quota de mercado registado pelos eléctricos mas, também, pelos híbridos plug-in. Já o comércio, manutenção e reparação de veículos automóveis e motociclos representa um volume de negócios de 21,8 mil milhões de euros, envolve 102 mil empregos directos e 31 mil empresas, entre sociedades e empresas em nome individual.

Apesar destes resultados – e do peso do sector automóvel nas receitas fiscais do Estado em 2019 se fixar acima dos 20% –, é crucial pensar-se no futuro deste mercado, sobretudo pela mutação constante a que se encontra sujeito. Neste ponto, salientem-se, por exemplo, os desafios inerentes à necessidade de renovação do parque automóvel ou a procura crescente por veículos movidos a energias alternativas, motivada, sobretudo, pelas questões ambientais e pelas próprias políticas municipais que passam a restringir a entrada de veículos movidos a gasolina ou diesel no centro das cidades.

Mas que medidas poderão ser implementadas para acelerar e dinamizar um sector em crescimento, que exporta quase a totalidade da sua produção – 97% – para alguns dos mercados mais exigentes da Europa, como é o caso da Alemanha, França, Itália ou Espanha? Neste, como em qualquer outro sector, é crucial ter-se objectivos e metas bem definidas. Perceber em que ponto se encontra o mercado, estudar as variáveis que o poderão potenciar ou fazer recuar e, após um rigoroso diagnóstico, debater com parceiros, players, entidades e com o Governo medidas e propostas que tenham o poder de transformar qualquer área de negócio. É exactamente isso que a ACAP, enquanto representante do sector automóvel em Portugal, vem fazendo nos últimos anos. O exemplo concreto desta visão estratégica é a apresentação de cinco propostas que visam acelerar o sector.

A Reposição do Programa de Incentivos ao Abate de Veículos em Fim de Vida é apenas uma delas. A reposição desta medida – que deverá ter em conta a necessidade de diminuir, em um ano, a idade média do parque – permitiria uma poupança de 164 milhões de litros de combustível e de 230 milhões de euros num ano. Apenas com a (re)implementação deste programa de incentivos ao abate de veículos em fim de vida, o mercado poderá atingir cerca de 25 mil unidades adicionais, no primeiro ano, o que representará um aumento da receita fiscal líquida de 83,5 milhões de euros. A proposta traria, assim e ainda, novos benefícios fiscais para o Governo, por via dos impostos associados, como o IUC, o ISV ou o IVA dos veículos.

Outra das medidas propostas passa pela dedução generalizada do IVA na gasolina para as empresas, tal como historicamente já acontece no gasóleo, o que permitiria repor um maior equilíbrio no mercado, até tendo em conta as preocupações ambientais. A medida, aprovada durante a discussão do Orçamento na especialidade, de permitir esta dedução para os veículos táxis, é um princípio, mas é claramente insuficiente. A reformulação das taxas de Tributação Autónoma é outra das soluções apresentadas ao Governo. Destaco, neste ponto, a alteração introduzida no Orçamento do Estado para 2020, que é, no entanto, apenas um princípio, ainda insuficiente. O objectivo desta medida será passar por propor que as taxas tenham uma progressão linear, eliminando o escalonamento actual que, ao ter uma diferenciação tão significativa, cria uma grande perturbação no mercado.

Outra das medidas – uma prioridade – centra-se na criação de um grupo de trabalho de fiscalidade, no quadro da evolução para a descarbonização, no qual a indústria automóvel está empenhada. Os objectivos principais centram-se na transição da carga fiscal do momento da aquisição para o da circulação e, ainda, a reformulação do IUC com os seguintes pressupostos: eliminação do princípio de que os carros mais antigos (e mais poluentes) deverão pagar menos imposto e a introdução do critério das normas Euro, em conjugação com o do CO2, para todo o parque em circulação.

Por fim, mas não menos importante, torna-se crucial que o Governo proceda à reabertura do processo de harmonização fiscal sobre o automóvel na União Europeia. Este é, aliás, um tema que tem vindo a ser discutido, mas sem resultados concretos, sendo Portugal um dos países mais penalizados neste domínio. De todos os bens sujeitos a Impostos Especiais de Consumo, o automóvel é o único que não tem a fiscalidade harmonizada na União Europeia.

Os dados estão lançados. Urge, agora, colocar em marcha os procedimentos que poderão manter o crescimento do sector nos dois dígitos, sempre numa curva ascendente. De que ingredientes necessitaremos mais para operar um efectivo upgrade no sector?

Sugerir correcção
Comentar