Projectos de lei? Há sempre forma de os melhorar

Marcelo Rebelo de Sousa terá de preparar-se para levar o diploma da morte assistida na mala das leis que costuma despachar a partir da praia do Algarve. Não é o lugar ideal para tomar uma decisão dessas, mas é para isso que o calendário se encaminha.

Esta semana, em pleno debate sobre os cinco projectos de lei que defendem a despenalização da morte assistida, tive ao meu lado na redacção um jovem que esteve connosco [PÚBLICO] a fazer um estágio de observação durante uma semana. Olhou, e pôs-me a olhar, para a discussão com umas “lentes” diferentes daquelas a que estou habituada. 

Queixou-se, por exemplo, de os partidos não aproveitarem o seu tempo de intervenção para apresentarem as especificidades dos seus diplomas. Ouviu com atenção os deputados dos partidos que tinham propostas sobre o assunto e concluiu que só muito superficialmente se debateram as soluções defendidas por cada um. Questionou a posição do PCP, partido do qual esperava, por ser de esquerda, uma posição favorável à eutanásia. Assim como estranhou o voto do líder do PSD, contrário ao da maior parte da sua bancada.

Expliquei-lhe o que pude e como pude, mas o que ele queria saber no fim era qualquer coisa sobre os passos seguintes - uma dúvida que nos toma a todos de assalto. “E agora? A eutanásia já é permitida?” Agora, expliquei eu, há vários caminhos e nada acontecerá no imediato.

Num primeiro passo, os cinco diplomas aprovados descem à comissão parlamentar respectiva e os deputados vão proceder a algumas audições de entidades específicas antes de passarem para a redacção do texto comum, como é sua intenção. Talvez peçam também mais alguns pareceres. Já se sabe que entre as entidades a ouvir estarão as seguradoras, para desfazer a dúvida sobre se a eutanásia deve ser considerada morte natural ou suicídio - em termos legais terá implicações diferentes. Se tudo correr bem, PS, PEV e PAN já assumiram que os meses de Julho ou Agosto seriam uma boa altura para enviar o texto final para Belém

Passo dois: o que descrevi acima - assumindo que pelo meio dá entrada um pedido de referendo (o que terá como consequência um atraso no processo na comissão) e que este será rejeitado pela maioria - significa que Marcelo Rebelo de Sousa terá de preparar-se para levar o diploma da morte assistida na mala das leis que costuma despachar a partir da praia do Algarve. Não é o lugar ideal para tomar uma decisão dessas, mas é para lá que o calendário se encaminha. O Presidente da República poderá optar pela promulgação, pela fiscalização prévia ou pelo veto político. Neste capítulo, o Bloco de Esquerda já recordou que, ainda em campanha, o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa disse que não vetaria esta lei com base em convicções pessoais - razão pela qual se tem apontado que o Presidente enviará a lei para o Tribunal Constitucional, cuja composição está em mudança. E os bloquistas não vão esquecer o compromisso de Marcelo que agora recusa antecipar qualquer decisão sobre o assunto

Haverá sempre um terceiro passo, pelo menos. Se for promulgada, a lei seguirá para o jornal oficial do Estado para ser publicada e entrar em vigor. Caso seja vetada, terá de voltar à Assembleia da República para ser reconfirmada e, à segunda vez em Belém, já não haverá outra saída que não a promulgação. Se for alvo de fiscalização prévia por parte do Tribunal Constitucional, o Presidente manterá o trunfo do veto e a lei volta a ter dois caminhos: ou é considerada inconstitucional e tem de ser objecto de avaliação e alteração na AR ou é considerada constitucional.

Em qualquer dos cenários (há mais, mas menos prováveis) não creio que a despenalização da eutanásia seja assunto de um futuro longínquo. Mas tem de ser objecto de estudo e de análise atenta. Como dizia José Manuel Pureza ao PÚBLICO esta semana, por mais bem feitos que os projectos estejam, há sempre forma de os melhorar.

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