Marcelo quer as presidências do Portugal dos Pequenitos

A decisão de só em Novembro anunciar formalmente se é candidato indicia que Marcelo Rebelo de Sousa se considera acima da normal e saudável concorrência eleitoral democrática.

Depois de ter apontado o Verão como o momento para a decisão sobre a sua recandidatura a Presidente da República, nas eleições de Janeiro de 2021, Marcelo Rebelo de Sousa adiou o timing do seu anúncio para Outubro e, mais uma vez, para Novembro, ao falar aos jornalistas durante uma visita à fábrica de cerâmica Viúva Lamego, em Sintra. Posteriormente, numa declaração também aos jornalistas, feita no Palácio de Belém, o Presidente da República tratou de reafirmar que só irá tornar pública a sua decisão “provavelmente em Novembro”.

E até argumentou: “Obviamente uma coisa é certa, qualquer decisão que, enquanto cidadão, venha a tomar será sempre posterior à convocação das eleições. Quer dizer, o Presidente não deve convocar as eleições já tendo dito se é ou não é candidato presidencial. Convoca as eleições como Presidente e depois, como cidadão, como qualquer outro cidadão, uma vez convocadas as eleições, decide se se candidata ou não.”

A preocupação em separar as funções como Presidente dos direitos políticos enquanto cidadão parece à partida sensata. Mas basta reflectir um pouco para perceber a perversidade para o sistema democrático que a manutenção deste tabu até Novembro encerra – quer pelas consequências sobre a importância deste momento eleitoral, quer sobre o sistema partidário.

É verdade que é tardio o anúncio formal de recandidaturas por presidentes em exercício. Cavaco Silva, por exemplo, fê-lo a 26 de Outubro de 2010, no Centro Cultural de Belém.  Mas no caso de Cavaco Silva era sabido que seria de novo candidato. Já Marcelo Rebelo de Sousa tem alimentado, desde o primeiro momento, a especulação sobre a possibilidade de apenas cumprir um mandato. Só que, na prática, o adiamento para Novembro da formalização de uma decisão apenas pode significar que ela será a de se recandidatar. Se tal não acontecesse, as consequências sobre o sistema partidário seriam terríveis, sobretudo no centro-direita.

Marcelo Rebelo de Sousa tem tornado pública a sua preocupação com a situação do CDS e do PSD, de que foi fundador e líder entre 1996 e 1999. Sente-se como uma espécie de “pai” ou “tutor” deste campo político, sobretudo face à derrocada eleitoral que o PSD e o CDS sofreram nas europeias e nas legislativas de 2019, que levou a direita parlamentar a uma situação de peculiar fragilidade. O PSD tem 79 deputados na Assembleia da República, o CDS cinco e a Iniciativa Liberal e o Chega um cada, o que dá um total de 86 parlamentares eleitos. Só nas legislativas de 2005 o desastre foi deste nível para o PSD liderado por Santana Lopes que elegeu então apenas 75 deputados, tendo o CDS de Paulo Portas conseguido 12 mandatos.

No momento em que Rui Rio parece ter estabilizado a sua liderança do PSD e em que o CDS elegeu como líder Francisco Rodrigues dos Santos, quando ambos iniciam um caminho de afirmação eleitoral, Marcelo Rebelo de Sousa não pode desferir um golpe mortal no seu próprio campo político. E seria isso que aconteceria, se viesse a declarar em Novembro que não se recandidatava a Presidente. Isto, porque a dois meses das eleições presidenciais, com o Natal e o Ano Novo pelo meio, o centro-direita ficaria em enormes dificuldades e sem tempo para preparar uma candidatura presidencial alternativa credível e consistente.

Mas há uma outra dimensão em que o anúncio de uma decisão de recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa só em Novembro é perverso para o sistema político democrático português. O Presidente-candidato fará um sprint até às urnas, colocando-se acima do sistema e dos timings eleitorais de pré-campanha e de campanha para a escolha do ocupante do primeiro órgão de soberania.

Na democracia portuguesa, sabe-se que um presidente da República que se recandidata ao cargo é reeleito. Foi assim com Ramalho Eanes. Foi assim com Mário Soares. Foi assim com Jorge Sampaio. Foi assim com Cavaco Silva. É também tradição que os outros candidatos que se apresentam a essas eleições presidenciais estão à partida derrotados, logo numa posição secundária.

Isso não significa que não haja mínimos de fair play democrático. Entre eles, o de que o Presidente-candidato aceite os termos e as regras normais da pré-campanha e da campanha e que se apresente ao debate e ao esclarecimento dos eleitores em pé de igualdade com todos os candidatos.

A decisão de só em Novembro, já dentro dos 60 dias que distam entre a convocação e a realização de eleições presidenciais, anunciar formalmente se é candidato indicia que Marcelo Rebelo de Sousa se considera acima da normal e saudável concorrência eleitoral democrática. Desvaloriza o debate eleitoral, transformando-o numa espécie de concurso do Portugal dos Pequenitos. Está, em suma, a condicionar a democracia, abrindo espaço à extrema-direita de André Ventura, que já anunciou a candidatura.

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